Max Lanio Martins Pina


A DIDÁTICA DA HISTÓRIA PELA PERSPECTIVA ALEMÃ



Dos autores alemães vinculados à Didática da História, dois são importantes no cenário brasileiro, visto que foram os primeiros intelectuais da virada paradigmática a serem traduzidos para a língua portuguesa e publicados em revistas científicas no Brasil a partir do final da década de 1980.

O primeiro foi o historiador Klaus Bergmann, que logrou apenas um texto de sua extensa obra publicado no Brasil. No texto A História na reflexão didática, Bergmann faz uma análise das relações existentes entre a Didática da História com a pesquisa empírica, com a ciência histórica e com o Ensino de História [Bergmann, 1989].  O segundo autor é o historiador e filósofo Jörn Rüsen, que é mais conhecido e popularizado entre os pesquisadores brasileiros, visto que sua obra não reflete somente sobre a Didática da História, igualmente sobre Teoria da História. No texto Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão, Rüsen descreve a trajetória desse campo na Alemanha, enfatizando as mudanças paradigmáticas na Ciência da História ocorridas nos anos 1960 e 1970, e apresenta e discute as áreas de atuação dessa disciplina e seus possíveis desdobramentos a partir da análise da consciência histórica [Rüsen, 2006].

As publicações de Klaus Bergmann e Jörn Rüsen respectivamente foram apresentadas ao público especializado na Alemanha durante a década de 1980, e faziam parte de uma discussão que visava aproximar e recolocar a Didática da História no campo da Ciência da História [Saddi, 2010]. Contudo, é possível perceber que a partir do momento em que esses textos foram expostos ao público brasileiro, são notórios os avanços no campo do Ensino de História, portanto, não há como negar a importância das reflexões que foram suscitadas a partir deles [Cerri, 2013].

Para Saddi [2014] a área do Ensino de História no Brasil alcançou profundas transformações no seu campo paradigmático influenciado pelos alemães, entretanto, o pesquisador lamenta a falta de publicações em língua portuguesa de mais autores germânicos ligados ao movimento dos anos 1970, 1980 e 1990. A falta de traduções e publicações desse grupo representa uma carência para a Didática da História em nosso país, dado que impossibilita nosso conhecimento das discussões e reflexões realizadas por esse campo na Alemanha, que possivelmente contribuiria para avançarmos epistemologicamente no Ensino de História e na Educação Histórica.

No intuito de ratificar o impacto que esses dois textos provocaram, salientamos que, segundo consta na plataforma Google Acadêmico, o artigo de Klaus Bergmann foi citado em cento e oitenta e oito publicações brasileiras, e o artigo de Jörn Rüsen compõe um total de duzentas e trinta e nove publicações especializadas nas diversas plataformas da internet [consulta realizada no dia 14 de abril de 2020]. Com isso, reafirmamos que essas duas produções foram basilares, porque são referenciais em trabalhos empíricos, teóricos e reflexivos em Ensino de História, Didática da História e Educação Histórica no Brasil.

Conceitos sobre a Didática da História
Concernente as primeiras conceituações inseridas no Brasil sobre o que seria a Didática da História, Klaus Bergmann que é o autor menos conhecido, lança luz no cenário brasileiro quando faz o “marco inaugural” das primeiras discussões de uma Didática da História, que parte da própria ciência de referência, e não mais das Ciências da Educação [Pacievitch, 2017, p. 123].

Para Cerri [2013] perdurou por muitos anos entre os historiadores brasileiros uma atitude negativa em relação ao Ensino de História, porque os problemas histórico-didáticos, eram compreendidos como externos a História, e, portanto, deveriam ser problematizados somente pela Pedagogia:

“A diferença entre historiadores e pedagogos dentro desse paradigma anterior de Didática da História era de ênfase: historiadores imaginavam que ensinar História consistia basicamente em saber bem História, enquanto pedagogos enfatizavam que ensinar História consistia basicamente em saber bem ensinar [e, portanto, o bom ensino independeria do domínio do modo específico de uma área pensar seus objetos].” [Cerri, 2013, p. 28-29].

Nesse caso Bergmann [1989, p. 29] salienta essa área como “uma disciplina científica que, dirigida por interesses práticos, indaga sobre o caráter efetivo, possível e necessário de processos de ensino e aprendizagem e de processos formativos da História” [grifo nosso]. Com a distinção disciplina científica, o autor apresentou ao público brasileiro a concepção alemã que vinculava a forma analítica histórico-didática ao campo da ciência histórica e não mais às Ciências da Educação.

Assim, caberia a essa nova disciplina a tarefa cumprir pelo menos três funções: uma empírico, outra reflexivo e por fim uma normativa. Ao analisar essas funções Saddi [2012] vai apontar que as histórias assimiladas e experimentadas diretamente todos os dias pelo devir, e as que são recebidas e também assimiladas pela transmissão da ciência histórica devem ser estudadas pela tarefa empírica da didática da história. Já a tarefa reflexiva, visa, portanto, a análise do trabalho do historiador, observando os seus métodos, seus procedimentos, a forma como ele lida com a pesquisa, suas ideias, seus interesses, entre outros. Por último, a tarefa normativa da didática da história é quem vai indicar e direcionar os caminhos para as funções de orientação da História na vida prática humana.

Para Cerri [1999] é fundamental que no processo de formação inicial de professores, eles sejam integrados nas discussões referentes aos papeis dessa Didática da História perspectivada pelas teorias alemãs. Assim, os futuros professores de História no Brasil, poderiam construir as bases fundamentais para sua prática escolar, pois não mais estariam centrados no ensino da disciplina de História, agora o foco seria deslocaria para a aprendizagem histórica.

Observamos que, quando se trata de autores alemães ligados a Teoria da História, Jörn Rüsen é sem dúvida, um dos mais conhecido do público brasileiro. Ao digitarmos seu nome na plataforma de busca de teses e dissertações da CAPES, observamos que as ocorrências passam de duzentas vezes que seu nome está associado aos trabalhos que são listados, sendo que os primeiros aparecem datados a partir dos anos 2000 [consulta realizada no dia 14 de abril de 2020]. Esta situação, deixa evidente que o pensamento desse autor está direta e indiretamente vinculado com pesquisas no Brasil nos programas de pós-graduação em História e Educação, ligados às linhas de pesquisas do Ensino de História, Teoria da História, Didática da História e Educação Histórica.

Rüsen [2006] inicia seu texto desconstruindo a visão padrão que a didática da história ocupava no contexto das humanidades. Para ele, era comum compreendê-la como uma abordagem formalizada, uma disciplina de mediação ou como ferramenta que servia para transportar o conhecimento erudito para aqueles que não o possuía. Estas visões revelavam a concepção europeia da didática da história, que assim como Bergmann [1989], questionou sua posição no campo da Pedagogia e Psicologia.

Na opinião de Rüsen [2006] todo o problema dessa disciplina se localizava no século XIX, quando a História se transformou em ciência e passou a valorizar as metodologias, abandonando as questões ligadas a vida prática do presente. Entretanto esta situação estava sendo modificada na Alemanha a partir da segunda metade do século XX, porque surgiu uma sociedade ávida por lidar com seus problemas no presente, que sabia que eles haviam sido originados no passado ressente. Esta sociedade, agora passou a questionar a legitimidade da História oficial. A Ciência da História se viu obrigada a readequar-se com as novas realidades dos alemães, com as novas carências de orientação da geração pós 1968. Ocasionalmente a Didática da História como disciplina acadêmica e pertencente ao campo epistemológico da ciência histórica, auxiliou os alemães no processo de enfretamento com o seu passado recente.

Através desse contexto, Rüsen [2006] evidenciou que a maior transformação da disciplina foi o deslocamento das preocupações que antes estavam focadas no ensino, agora fossem depositadas no aprendizado histórico. O autor acredita que se o foco se voltar para o real processo do ensino de História na escola, com ênfase na aprendizagem histórica, isso reanimaria o ensino e a História seria encarada como uma disciplina de experiência e interpretação.

Do ponto de vista de Rüsen [2006, p. 16, grifo nosso] a Didática da História como disciplina científica é a “ciência do aprendizado histórico”, com isso ele apontava para o historiador profissional sugerindo-lhe uma nova área de pesquisa, ou uma nova linha de investigação que focaria nas conexões internas entre a História, a vida prática e o aprendizado. Deste modo, o autor está dando pistas de que:

“A didática da história possui, assim, um campo próprio de tarefas a trabalhar, que a distingue, substantivamente, do campo da ciência da história. Ela é a ciência da aprendizagem histórica. Produz de modo científico [especializado] o conhecimento necessário e próprio à história, quando necessita compreender os processos de aprendizagem e lidar com ele de modo competente.” [Rüsen, 2015, p. 248].

Nesse sentido, a Didática da História é um campo especializado, bem como uma disciplina da ciência histórica, que está preocupado com os processos de ensino e de aprendizagem do pensamento histórico nos mais diversos lugares onde ele acontece, como nas escolas, nos museus históricos, através de monumentos culturais, por meio das memórias, ou através das mídias modernas [Rüsen, 2015].

Em seu livro Teoria da História – uma teoria da história como ciência, publicado em 2015, Rüsen irá realizar uma revisão de sua obra mais conhecida no Brasil que é a trilogia de Teoria da História [Razão Histórica, Reconstrução do Passado e História Viva], publicados em 2001 e 2007 pela Editora da UnB. Na sua revisão sobre a Didática da História, o autor alemão apresenta esse campo/disciplina como uma área que está fundamentada na teoria da história, que tem como finalidade a aplicação prática do conhecimento histórico por meio do ensinar e aprender a História.

Rüsen [2015] parte do princípio que o aprendizado histórico deve desenvolver a competência narrativa na vida dos sujeitos, porque é através dessa competência que passado, presente e futura tornam-se uma coerência temporal interna, afim de situar a vida no tempo. A síntese entre aprendizado histórico e competência narrativa, é observada através da constituição histórica de sentido que é expressa pela consciência histórica [tipologia dos níveis de desenvolvimento da consciência histórica].

Como ciência do aprendizado histórica, a Didática da História para Rüsen [2015] deveria se preocupar com a identidade histórica, uma vez que a competência narrativa visa situar o sujeito no tempo, para perspectivar seu futuro. Essa identidade também é responsável por tornar o sujeito que se identifica, como ser humano. Uma vez que a consciência histórica alcança a identidade no tempo. O humanismo, por conseguinte, passe a ser o ponto fundamental para a aprendizagem histórica.

Esta situação nos leva a compreensão que a Didática da História precisa auxiliar epistemologicamente o ensino e a aprendizagem histórica, de forma que a humanidade possa ser humanizada através do conhecimento histórico. O humanismo nesse sentido é entendido por Rüsen [2015, p. 273] como lugar do “reconhecimento mútuo da diferença cultural”. Esse reconhecimento permite criticarmos, todas as situações em que, os homens do passado precisariam se emoldurar nas regras, mesmo que elas fossem humilhantes, opressoras e exploradoras [Rüsen, 2015]. Quando nos humanizamos, somos capazes de perceber nossa desumanização passada, presente e futura.

Se acreditarmos que o lugar da aprendizagem histórica é a consciência histórica, teremos que voltar as bases fundamentais da compreensão da consciência histórica, o que nesse caso, é necessário a existência de uma disciplina no Brasil, que possua seu status na academia, e que partindo da epistemologia da ciência histórica, abrace todo o arcabouço teórico e histórico-didático sobre a formação dessa consciência, para que sem prejuízos, possamos usufruir dos mecanismos possíveis da aprendizagem histórica propostos pelos autores alemães.

Referências
Max Lanio Martins Pina é docente da Universidade Estadual de Goiás [UEG], doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás [PPGH-UFG] e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás [FAPEG].

BERGMANN, Klaus. A história na reflexão didática. Revista Brasileira de História, v. 9, n. 19, p. 29-42, 1989.
CERRI, Luis Fernando. O historiador na reflexão didática. História & Ensino, Londrina, v. 19, n. 1, p. 27-47, jan./jun., 2013.
CERRI, Luis Fernando. Os objetivos do ensino de história. História & Ensino, Londrina, v. 5, p. 137-146, out., 1999.
PACIEVITCH, Caroline. Conhecimento didático e formação de professores de história: contribuições para a teoria e a prática. Diálogo andino, n. 53, p. 117-126, 2017.
RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas. Tradução Marcos Roberto Kusnick. Práxis educativa, v. 1, n. 2, p. 7-16, 2006.
RÜSEN, Jörn. Teoria da história: uma teoria da história como ciência. Tradutor Estevão C. de Rezende Martins. Curitiba: Editora UFPR, 2015.
SADDI, Rafael. Didática da história como sub-disciplina da ciência histórica. História & Ensino, v. 16, n. 1, p. 61-80, 2010.
SADDI, Rafael. Didática da História na Alemanha e no Brasil: considerações sobre o ambiente de surgimento da Neu Geschichtsdidaktik na Alemanha e os desafios da nova Didática da História no Brasil. OPSIS, v. 14, n. 2, p. 133-147, 2014.
SADDI, Rafael. O parafuso da didática da história: o objeto de pesquisa e o campo de investigação de uma didática da história ampliada. Acta Scientiarum. Education, v. 34, n. 2, p. 211-220, 2012

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