EXPERIÊNCIA EDUCATIVA EM ARTE-EDUCAÇÃO E MEDIAÇÃO CULTURAL NO PAÇO DO FREVO, RECIFE-PE
Os esforços de
investigação e elaboração do texto foram parte dos objetivos da tarefa de
pesquisa do Setor Educativo do Paço do Frevo, que desempenha ações de mediação,
elaboração de projetos e atividades ligadas à arte-educação, assim como
previsto no Plano Museológico da instituição [Carvalho, 2013]. Foi utilizado,
para isso, de um momento semanal de pesquisa que auxilia e dialoga com a
construção destas práticas, envolvendo o corpo de educadores e educadoras que
compõem o setor.
Busca-se, então,
apresentar e analisar dinâmicas educativas do espaço cultural Paço do Frevo –
suas temáticas, potenciais, espaços e sujeitos -, e refletir teoricamente sobre
seus processos de mediação, tomando como base para análise um relato de
atividade educativa. Sem esquecer, também, de estabelecer uma discussão com a
literatura acerca de ações educativas em instituições de educação não-formal,
dinâmicas de ensino baseadas na mediação, arte-educação, entre outros.
Ao considerar o
decurso constante de atividades de pesquisa - teórico e prática - pelos
educadores e educadoras do espaço-enfoque, e seus aprendizados recorrentes
nessas ações; defende-se que esse texto seja lido como uma busca, não
concluída, por ampliar o entendimento das experiências presentes nas mediações.
Também, por isso, se considera o levantamento bibliográfico desse trabalho
bastante canônico e passível de negligências, justamente por se configurar como
uma primeira incursão, pelo autor, sobre esse campo do conhecimento, o da
arte-educação e dos processos educativos em instituições culturais/museais.
Assim como, seus usos, citações e interpretações podem ser frutos de breves
desacertos de compreensão e aproximações teóricas.
Paço
do Frevo: temáticas e narrativas
Compreender o espaço é
também compreender as dinâmicas que ali se inserem; como os sujeitos interagem
com o ambiente; suas temáticas, o que e como as abordam; suas lembranças,
esquecimentos. Dessa forma, é importante caracterizar o espaço para auxiliar na
abordagem de suas dinâmicas e processos analisados.
O Paço do Frevo é uma
instituição cultural, situada no Recife, que tem como objetivo a salvaguarda da
manifestação cultural Frevo através da recepção do público em suas exposições
permanentes e temporárias, manutenção de um centro de documentação, escola de
dança, escola de música; além da promoção de atividades como palestras,
formação de professores, debates com a comunidade do frevo e apresentações
culturais. A instituição é idealizada e estabelecida após a eleição do Frevo
como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2012,
consolidando-se como Centro Nacional de Referência do Frevo, orientado pelo
IPHAN [Carvalho, 2013, p. 9 -10].
Obviamente, como o
nome evoca, a instituição traz como temática a manifestação cultural
pernambucana Frevo, sua dinâmica enquanto dança, enquanto música, seus atores,
formatos, símbolos, coletivos, espaços, conflitos, entre diversos outros
ambientes de uma expressão cultural tão rica quanto a abordada pelo museu.
Entende-se o frevo, nesse contexto, enquanto manifestação cultural justamente
por não se qualificar enquanto uma só expressão – exemplos: dança, música,
poesia, literatura, artes plásticas, entre outros – o Frevo se manifesta em
mais de um desses suportes, possuindo diversas tipografias, grupos e expressões.
Do ponto de vista
histórico destaca-se a virada do século XIX para o XX como momento crucial para
a gestação do frevo enquanto expressão. O Brasil, que assim como o Recife,
vivia transformações relevantes nos quesitos espacial-urbano, demográfico,
econômico, político e social; incluindo a instauração do regime republicano,
abolição legal da escravidão, ampliação da participação da indústria na
economia nacional, ascensão de uma classe operária urbana, reformas urbanas com
arquétipos europeus, assim como outras mudanças.
Já o carnaval,
dinâmica mais extensa e antepassada que o frevo, tem relação com as
festividades que antecediam a Quaresma católica, que viveram mudanças ao longo
do século XIX, transformações valiosas para compreender este processo de
formatação do carnaval moderno, simbolicamente ligado ao século XX. O entrudo,
que por muito tempo figurou como o principal motivo de regozijo durante as
folias carnavalescas – desconhecendo muitas vezes grupo social, raça e gênero
–, passa a ser combatido pelas elites identificadas com uma nova proposta de
carnaval europeizado, especialmente os bailes de máscaras venezianos.
Dessa forma, o poder
público – através da polícia, da imprensa e das Grandes Sociedades, agremiações
das elites que propunham uma nova forma de festejo – estabeleceu um combate
ativo e incisivo sobre as manifestações que mais se identificavam com as
classes populares, no caso do século XIX, de maneira geral, ainda era o
entrudo. Esse esforço não conseguiu de imediato sufocar o jogo de água, farinha
e limões-de-cheiro, alvo de críticas moralizantes das camadas mais abastadas,
que observavam insatisfeitas os populares seguirem na entrudança ou até mesmo
seus “ricos e virtuosos” pares que não renunciavam à experiência de folguedos
além dos bailes venezianos das agremiações carnavalescas.
“Apesar de toda a
insistência, o poder público – em consonância com os ideais de progresso, moral
e civilização, fortalecidos pelo movimento republicano – não desistiu de coibir
as manifestações dentro do carnaval com o objetivo de tornar os grupos
populares meros espectadores dos grandes desfiles das Sociedades. Os argumentos
utilizados citavam a suposta insubordinação da “ralé”, seu potencial agressivo
e ausência das normas de convivência pacífica. Sendo possível destacar, dessa
forma, como o carnaval fruto de expressão popular era reprimido e observado
pelas autoridades naquele momento crucial.” [Araújo, 1996].
Para além do aspecto
sócio-político, o frevo vem ser gestado junto as bandas marciais de corporações
militares, da polícia e guarda nacional, destacando o dobrado – ritmo marcial
tocado por essas bandas – como embrião musical do frevo junto ao maxixe, lundu
e polca. Vale destacar que ao longo de todo século XIX e início de XX, as
principais fontes de música e ocupação do espaço público com festividades
musicais deviam-se às bandas de corporações militares.
A expressão corporal
da dança frevo se relaciona inicialmente com as maltas de capoeiras, que saíam
as ruas junto às bandas. O veio violento dos encontros de grupos rivais e a
eventual necessidade de disfarçar das autoridades a luta da capoeira, foi, aos
poucos, formatando um outro tipo de expressão mais próxima a uma dança, logo, o
frevo. Obviamente, ao longo do século XX, novas influências e expressões foram,
gradativamente, incorporadas ao “passo”, porém destaca-se a capoeira como o
embrião mais fortuito no surgimento do frevo. [Araújo, 1996] e [Oliveira,
1971].
É claro, que todas
essas dinâmicas são frutos de processos alongados no tempo. Não é possível
determinar o momento em que classes populares às ruas, inventaram subitamente
uma expressão cultural nova, muito menos, destacar que formato apareceu
primeiro, a dança ou a música. O intuito do Paço do Frevo é destacar a
construção do Frevo como expressão fruto de várias influências, vários sujeitos
– anônimos ou não – e o caráter coletivo dessa expressão popular.
Por isso, há um
potente enfoque sobre o fato de que o Frevo é um Patrimônio Cultural Imaterial
da Humanidade, logo, pertence e é feito por todos, e se caracteriza como um bem
cultural intangível, dessa forma, está dissolvido em nossa sociedade das mais
distintas maneiras. O papel do museu emerge na sua caracterização como espaço
de representação da presença do Frevo em nossa sociedade, como ele é importante
para tantas pessoas e como pode tornar-se ainda mais relevante para o público
que o visita.
Reflexões:
o espaço museal e suas potências; arte-educação, e relato de mediação
De início, vale
ressaltar uma natureza característica de instituições culturais, tais como
museus e centros culturais, que é a sua função educativa. Espaços como esses
podem ser identificados como instituições de educação não-formal, ou seja,
promovem processos formativos sem necessariamente estarem atreladas a um
currículo amplo e normatizador oriundo das gerências governamentais de
educação. Essa realidade não exime a responsabilidade dos museus estarem em
diálogo com o currículo escolar, e a serviço dele, ou seja, aberto a adaptação
de suas escolhas de roteiro, narrativas e mediação, de acordo com a necessidade
do público escolar em que se dialoga. Ana Mae Barbosa [2016] traz em um de seus
artigos a fala de uma educadora de uma instituição cultural que destaca o papel
dos museus e dos educadores que lá atuam:
“A gente é um
instrumento para ajudar nas formações. Nós não somos formadores, somos
ajudantes de formações. [...] Então a gente vai lá e seduz as professoras
através do nosso espaço, através dos nossos materiais, das nossas exposições.
Tudo dentro de uma oficina que a gente sinta que cria um vínculo.” [Barbosa,
2016].
Ao refletir sobre
nossa contemporaneidade, em que os museus e seus públicos se inserem, Jorge
Larrosa Bondía [2002 e 2011] nos traz reflexões sobre o papel da experiência na
contemporaneidade e o difícil embate do saber da experiência e a primazia da
informação em nossos tempos. Somos seres que buscam cada vez mais nos mantermos
informados, pelos mais variados canais de informação, que bombardeiam conteúdo
das mais variadas formas. Porém, esse processo não necessariamente resulta em
construção de saber, não configura um processo formativo. Apesar da visão do
autor sobre o que caracteriza experiência não ser integralmente assumida como
instrumento teórico para esse texto, concorda-se com a urgência de propor ações
formativas que desconstruam a prioridade pela informação; rápida,
compartimentada, descritiva, ou seja, própria do utilitarismo que caracteriza
nossa sociedade. Uma reflexão interessante sobre esse aspecto dos escritos de
Bondía, está presente no dossiê do Projeto Conexões Culturais, do Governo do
Estado de São Paulo:
“Por exemplo, no
contato com uma nova informação, em uma visita a um dos museus trabalhados no
Projeto, como transformá-la em experiência na era dos cliques dos smartphones,
da informação superficial e imediata? Bondía destaca também que experiência e
conhecimento divergem no que tange à massa de informações, o que nos leva a
questionar o caráter quantitativo e pouco qualitativo de nossas vivências.
Apesar de participantes da sociedade da informação, não estamos necessariamente
construindo conhecimento a partir de experiências significativas, e sim,
talvez, somente acumulando informações que nos motivam e auxiliam a opinar
acerca de qualquer assunto – passamos a ser pseudoespecialistas de tudo.”
[Associação Parceiros da Educação e Tomara! Educação e Cultura, s/d]
Emerge como tarefa de
um educador de uma instituição de ensino não-formal, buscar uma abordagem menos
teórica, menos expositiva e descritiva. Defende-se a busca, constante, da
promoção ações de mediação que ampliem os estímulos aos visitantes para além do
conteúdo visível e descritivo das exposições, ao entender que os
sujeitos-visitantes trazem consigo expectativas, conhecimentos prévios e,
sobretudo, potência de ação. Como traz Pinto [2012, p. 94]: “[...], os agentes
mediadores têm o papel de se colocar entre essas referências/expectativas, o
professor, o público e a obra, relacionando, dialogando e propondo um contato
diferenciado com a arte.”; ou seja, mediar como abordam Carvalho e Lopes [2016]
referenciando Martins, Picosque e Guerra [1998]:
“[...] mediar implica
estimular as possibilidades de fruição no sujeito como um todo: não apenas
provocar o olhar cognitivo, mas também promover experiências que possibilitem
brechas para os sentidos, as sensações e os sentimentos, despertando sua
imaginação e percepção.”
O ofício do mediador é
uma tarefa de intensa fluidez e necessidade de observação constante. Seu
público muda a cada momento, os grupos são variados, as visitas possuem tempo
determinado, os enfoques se alteram a cada época, as necessidades são diversas.
Assim espera-se que seja o trabalho de uma equipe de um educativo, a qualidade
de suas ações depende fundamentalmente da capacidade de observar e ser flexível
de acordo com as demandas do cotidiano do espaço museal, caracterizado pelo seu
dinamismo e constante mudança.
Nisso, uma passagem do
caderno Práticas e Reflexões com Educadores: Patrimônio, do Centro Cultural
Banco do Brasil – CCBB, nos auxilia a evidenciar esse quadro:
“Os núcleos educativos
formados em grandes centros culturais são hoje referência para alguns debates
relevantes sobre patrimônio, memória e identidade. Isto se deve ao caráter
experimental que esses grupos desenvolveram ao longo de sua existência, seja
pela rápida percepção da diversidade cultural de seus visitantes, seja pela
necessidade de buscar um atendimento também diversificado para proporcionar as
relações de interesse entre público e obra.” [CCBB, 2011].
Os processos de experimentação
e elaboração das ações de um setor educativo se dão de maneira distinta do que
acontece em uma escola, por exemplo. Justamente por realizar suas atividades em
uma instituição de ensino não-formal:
“[...] o planejamento
de uma mediação é dinâmico e permite necessárias mudanças para a efetiva
prática educacional. Dentro do espaço museológico, o mediador – ainda que
orientado pela proposta da exposição e pela formação geral do núcleo de
arte-educação – fará sempre transformações e apropriações das propostas ao
receptor.” [Pinto, 2012, p. 94].
Em espaços museais, a
mediação e condução dialogada de uma experiência de visitação é fundamental
para atingir os sujeitos que atravessam o espaço, gerar reflexões acerca das
possibilidades e potencialidades das exposições que ali se encontram. A mera
observação silenciosa, desprovida de trocas, debates e questões, fecha-se em si
mesma e na mensagem imediata que a superfície visual dos objetos da exposição
tem a oferecer, empobrecendo a visita a um espaço tão rico e cheio de
possibilidades que uma instituição cultural se propõe a ser.
Entretanto, as
escolhas curatoriais de uma exposição - sobretudo de um museu pensado na
contemporaneidade – preveem a ampliação dos olhares, os ganchos que as
narrativas propiciam e os potenciais temas que emergem daquilo que já está
posto. É nesse sentido que o trabalho de um setor educativo, através da figura
de um mediador se torna tão valioso. Assim, destacamos que “a mediação cultural
pode ser o espaço da conversação, da troca, do olhar estendido pelo olhar de
outros que não elimina o do sujeito leitor, seja ele quem for”, além de que “o
convite da mediação não é a adivinhação ou a explicação, mas a decifração, a
leitura compartilhada, ampliada por múltiplos pontos de vista” [Martins, 2011,
p. 315 apud Araújo, 2018, p. 13-14].
Baseado nisso, podemos
considerar a falência de uma proposta meramente expositiva e descritiva, como
alertam Carvalho e Lopes [2016, p. 5]:
“Insistir no acúmulo
de explicações e informações sobre as obras e objetos acaba por reduzir o
contato com o acervo às suas dimensões técnica e histórica, privando a criança
dos momentos de fruição”.
Alternativas
levantadas por Pinto [2012], encaram a necessidade de cativar subjetivamente e
dialogar com os saberes do sujeitos-visitantes, para contribuir na construção
de uma narrativa que utilize o exposto no museu como ponto de partida das
temáticas abordadas. Observemos: “Os estudantes, tais quais os professores,
devem ser seduzidos pelos museus. Eles devem sentir a aproximação que a arte
tem com a vida e com o repertório de imagens que eles possuem.” [Pinto, 2012,
p. 104].
Com isso buscamos
trazer - como fonte de discussão, e ponto de partida para reflexões – um relato
de mediação realizado nos espaços do Paço do Frevo. Tem-se o intuito de
dialogar com as possibilidades de mediação e abordagens que a instituição e o
público que a visita nos oferecem.
Assim, visita se deu
com um grupo de, em média, 25 estudantes oriundos de uma escola particular de
Ensino Fundamental do Recife, os alunos tinham por volta de 9 a 12 anos.
Iniciou-se no terceiro piso do museu, utilizando as arquibancadas da Praça do
Frevo como local de diálogo entre o mediador e o grupo. Perguntas mais gerais
foram feitas de início, como “O que é Carnaval para vocês?”; “O que é frevo?”;
“Existe frevo fora da época do Carnaval?”. O intuito de inserir perguntas desse
tipo relaciona-se com o desejo do mediador de entender o “terreno”, que tipo de
noções os estudantes traziam consigo, exatamente por se tratar de um processo
de mediação que tem, entre seus objetivos, construir conceitos que podemos
entender como “atos de linguagem que reúnem experiências [passado] e
expectativas, que têm a função de designar [nomear] e caracterizar [criar]
aspectos [elementos] de realidade [da história].” [Kosseleck, 2006 apud Siman e
Coelho, 2015].
Boas respostas
surgiram indicando que o grupo estabelecia relação do carnaval e do frevo como
espaços de manifestação cultural e artística; espaços identificadores de uma
cultura pernambucana, mobilizadores da população em volta de sentimentos de
alegria e diversão. Exemplos de respostas foram: “é uma cultura pernambucana!”;
“é uma dança daqui!”; “Carnaval são as pessoas se divertindo na rua!”; dentre
outras. As exposições suscitam uma percepção dos “fazedores” do frevo, o
envolvimento, prazer, alegria, empregados nesse campo ao se construir uma
manifestação artística com engajamento movendo o subjetivo, o sentimental.
Chama atenção que antes de propor uma visita de fato às exposições e antes
mesmo de propor uma mediação com o espaço; neste jogo de perguntas e respostas
inicial, os estudantes já evocam substantivos como alegria, diversão,
felicidade, para responder o que é frevo e/ou carnaval.
Essa dinâmica
possibilita um diálogo com uma opinião do teórico John Dewey [2010] sobre a
experiência artística e a relação com o prazer e satisfação que estão presentes
nessa experiência, que é própria do contexto de convívio dos sujeitos que
produzem as manifestações, ou seja, é presente no seu cotidiano e nas suas
trocas interpessoais mais imediatas; valoriza-se o percurso da ação artística.
No processo de
mediação, após as respostas, somente houve a necessidade de o mediador
adicionar a noção de que o frevo além de ser dança é música. Assim como,
reforçar que no carnaval ouvimos com mais frequência o ritmo pernambucano,
porém ele é vivo todo o ano nas preparações dos blocos, nas escolas de dança,
nas escolas de música, “aqui” no Paço do Frevo, entre outros exemplos.
Nesse momento entrou
uma pergunta que introduziu a atividade de ocupação do espaço: “Mas e agora,
quem sabe como surgiu o frevo?”. Assim, o mediador pediu a ajuda voluntária de
cinco estudantes para se juntar ao seu lado direito, logo após chamando mais
cinco para o seu lado esquerdo. Anunciou-se que cada um dos grupos seriam
bandas militares por isso deveriam ter uma certa organização enfileirada típica
militar.
A relevância de
estabelecer uma atividade como tal é canalizar o potencial de ação e
envolvimento que os estudantes depositam na experiência de visitar um museu.
Obviamente, essa dinâmica varia de acordo com o grupo em que se trabalha, porém
na mediação em questão percebeu-se a necessidade e possibilidade de usar dessas
vontades.
Com os estudantes
postos em formação comentou-se sobre a importância das bandas militares para as
diversões de rua no passado brasileiro, passando pelo dobrado, pelas festas
públicas e as rivalidades entre as bandas. Trazendo a companhia das maltas de
capoeira, representadas pelo educador junto a uma das “bandas” e uma professora
solicitada no momento para ser a capoeirista rival. Com isso, os estudantes
foram informados da proibição da capoeira na época e da repressão policial,
surgindo a necessidade de um sujeito para representar um guarda, que nesse caso
foi o Bombeiro Civil do museu que estava na exposição. Assim uma ginga foi
iniciada com os estudantes simulando o movimento e som dos instrumentos, até
que o “policial” se vira e vê a cena, com isso “os capoeiras” disfarçam sua
agressividade em passos de dança similares ao frevo.
O que foi possível
sentir do grupo foi bastante envolvimento, tanto dos estudantes em cena tanto
dos colegas que observavam a situação. Percebia-se nos rostos de todos que
estavam divertindo-se em participar e/ou observar. É interessante propor
atividades que suscitem o lúdico, por seu poder mobilizador dos sujeitos
envolvidos. Não somente na questão de conseguir a atenção e participação, mas
também pela convicção de que o movimento, a ação, o fazer são elementos
constitutivos da experiência artística e formativa, como nos traz Dewey [2010]
na “arte como brincadeira”. Essa compreensão é valiosa para afirmar museus
enquanto espaços onde a “emoção e imaginação podem vir a se tornar elementos
fundamentais nas práticas educativas [...]”, assim como “apresentem propostas
de mediação com discursos e percursos expositivos que privilegiem, também
espaço e tempo para expressões motoras e emotivas” [Carvalho e Lopes, 2016, p.
2 e 5].
Assim, é esperado que
para além do clima lúdico, o conteúdo de surgimento do frevo presente na
dinâmica possa ser uma experiência significativa para os estudantes em visita.
A ação tinha por objetivo dar liga as referências importantes para compreensão
da temática – capoeira, banda militar/marcha, e frevo –, que são presentes e
habitam as experiências de vida dos estudantes, porém é valioso colocá-las em
um contexto próprio e de fácil acesso como a atividade de encenação proposta. O
processo de construção e reconhecimento de referências é bem abordado por John
Dewey em uma de suas metáforas explicativas:
“Quando um relâmpago
ilumina uma paisagem escura, há um reconhecimento momentâneo dos objetos. Mas o
reconhecimento em si não é um mero ponto no tempo. E a culminação focal de
longos e lentos processos de maturação. É a manifestação da continuidade de uma
experiência temporal ordenada, em um súbito instante ímpar de clímax.” [Dewey,
2010, p. 90-91].
Ou seja, as
referências da encenação já são presentes nos sujeitos que dela participam e
interagem, e por eles são reconhecidas, construídas a partir de “longos e
lentos processos de maturação” de sua vida cotidiana. Entretanto, “sob a
iluminação de um relâmpago” não são vistas como interconectadas dentro de um
contexto ainda desconhecido. Nesse caso, a ação proposta pelo educador vem como
tentativa de ordenar esses “objetos momentâneos” em torno da temática da
mediação, configurando uma experiência relevante na percepção do[s] objeto[s];
pois “Ver, perceber, é mais do que reconhecer.” [Dewey, 2010, p. 91].
Dessa forma, busca-se
construir uma narrativa no Paço do Frevo que se distancie da sacralização ou da
monumentalização do espaço museal. A abordagem apresenta o espaço enquanto
local promotor de experiências que dialogam com o patrimônio cultural imaterial
como temática e ponto de partida. O objeto cultural e artístico está pulverizado
em nossa sociedade e interage conosco para além dos muros da instituição. John
Dewey [2010] reflete sobre esse tema quando nos relembra que a arte urge do
exercício da sensibilidade, da experiência artística que não necessariamente se
relaciona com a mera percepção, evocada na atualidade, de alçar aos pedestais
dos museus essas expressões. Assim, requer uma visão da expressão artística
fruto de engajamento e consciência sobre o processo, itens que muitas vezes
fazem parte da dinâmica do frevo e das expressões populares, que em um espaço
como o Paço do Frevo ganham somente referência, possibilidade de estabelecer
relações, experiências e experimentações com o público que o visita.
Portanto, reforça-se a
necessidade de refletir sobre o trabalho que é efetuado nas instituições
culturais, em busca de uma melhor compreensão do seu papel, seu alcance e sua
importância. Sobretudo, quando se dialoga com as perspectivas de ação presentes
no ambiente em que se as atividades são desempenhadas, estimular um olhar crítico
e a autoanálise da tarefa de todos enquanto educadores de museus e centro
culturais, em busca de renovações e fundamentações para este ofício.
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