Kênya Jessyca Martins de Paiva


A LUTA CONTRA AS OPRESSÕES ESTRUTURAIS: DISCUSSÕES SOBRE A COLONIALIDADE E DECOLONIZAÇÃO DOS ESTUDOS




A luta constante por parte dos movimentos sociais, de políticos e intelectuais engajados para tornar visíveis as práticas e visões de sujeitos históricos subalternizados marcam a História e trouxeram vitórias decisivas para a vida de muitas pessoas. Entretanto, as abordagens encontradas no Tempo Presente ainda estão enquadradas dentro de processos hegemônicos de pensamento, que produzem uma visão universal acerca dos processos sociais, políticos e culturais ocorridos em diferentes partes do mundo.

Autores como Ramon Grosfoguel [2009, p. 383] apontam que a hierarquização dos povos se deu a partir da ideia de Raça, na qual a concepção humana estaria baseada numa lógica binária, em que tudo se dividiria em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e modernos, sociedades baseada na oralidade e na escrita; comunidades agrárias e fundadas nos costumes/ civilização urbana e industrializada. Como tal, a Europa ditou quem seriam os privilegiados por esse pensamento que foi compartilhado e legitimado por diversas áreas do saber. A hegemonia eurocêntrica forjada no saber, no ser, no poder e no viver, está tão presente quanto outrora e por causa disso o racismo persiste ainda hoje na sociedade.

É importante pontuar que o mundo atual possui características específicas como a globalização, que segundo Maria Odila Dias [1998, p. 230] faz com que, através das grandes mídias, vivêssemos em constante tentativa de dominação cultural, econômica, social, política, uma cultura dominante que busca massificar os indivíduos seguindo a lógica capitalista do consumo. Diante dessas mudanças, as categorias tradicionalmente utilizadas para analisar a modernidade passam a necessitar de novas abordagens para dar conta de todo uma gama de alterações, sejam na identidade, seja na economia, no espaço, na cultura. Categorias como “colonialidade do poder” são lançadas ao debate, e de acordo com Mignolo [2005, p. 37] respondem aos fatores constitutivos da modernidade colonial na qual vivemos.

Neste sentido, o artigo parte de uma discussão acerca das características da colonialidade, a fim de oferecer reflexões sobre as heranças de uma cultural colonial que persiste no Tempo Presente. Nas discussões serão utilizados os pensadores Quijano [2005], Fanon [1979], Mignolo [2005] e Grosfoguel [2010] para apresentar o que seria a Colonialidade do poder e a Decolonização dos estudos. Os resultados apontam para os desafios de romper com a colonialidade, de modo que se possa desconstruir os processos coloniais que garantem o poder da elite econômica e intelectualmente favorecida sobre os povos subjugados na vida e na História.


Sobre o Colonialidade do poder
A Pós-modernidade marca um período histórico específico, onde passam a ser levantados questionamentos sobre as noções básicas de verdade, razão, identidade e objetividade. Ideias como progresso ou emancipação universal, grandes narrativas ou fundamentos definitivos de explicação são colocados no cerne do debate. Para Terry Eagleton [1998], que julga o pós-modernista sob uma ótica do socialismo, a pós-modernidade se baseia em mudanças históricas ocorridas no Ocidente que deu origem a uma nova forma de Capitalismo [mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, consumista e da indústria cultural]. Para ele, pós-modernismo é um estilo de cultura que reflete um pouco dessa mudança memorável por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada, auto- reflexiva, divertida, eclética e pluralista que obscurece as fronteiras entre elitismo e cultura popular. Para Grosfoguel [2009, p. 385] o pós-modernismo esta atrelado ao cânone ocidental, não rompeu com o binarismo, e segue “reproduzindo, dentro dos seus domínios de pensamento e prática, uma determinada forma de colonialidade do poder/conhecimento”.

O argentino Walter Mignolo [2005, p. 34] faz uma crítica ao discurso pós-moderno, pois este seguiria invisibilizando a colonialidade e mantendo uma lógica simplificada e monotópica de direita e esquerda da Europa para fora. Além disso, a Pós-Modernidade não coloca no debate a branquitude, esta sempre pensando no outro e não em si própria, o europeu se autodenomina e racializa a população negra e dessa forma o branco permanece inquestionável. Mignolo mostra que ocorreu uma colonização epistemológica marcada pelo etnocentrismo e pelo eurocentrismo, tanto na literatura, filosofia, religião como nas diversas ciências. A partir da constatação de que os escritos, as teorias e as ideias de determinados grupos sociais localizados em determinados locais geopolíticos tinham maior notoriedade em relação à outros, o autor fundamenta seu pensamento numa crítica cultural às configurações históricas do imaginário do sistema colonial/ moderno, cristalizado na colonialidade do poder. Os pesquisadores Eduardo Rasprejo e Alex Rojas sobre as diferenças entre Colonialismo e Colonialidade apontam que:

“La colonialidad es un fenómeno histórico mucho más complejo [que el colonialismo] que se extiende hasta nuestro presente y se refiere a un patrón de poder que opera a través de la naturalización de jerarquías territoriales, raciales, culturales y epistémicas, posibilitando la re-producción de relaciones de dominación; este patrón de poder no sólo garantiza la explotación por el capital de unos seres humanos por otros a escala mundial, sino también la subalternización y obliteración de los conocimientos, experiencias y formas de vida de quienes son así dominados y explotados” [RESPREJO; ROJAS, 2010, p.15].

De acordo com Quijano é impossível pensar a modernidade sem a Colonialidade. A Colonialidade é parte constitutiva da modernidade, já que é um dos elementos específicos que constituem o padrão mundial do poder capitalista e no contexto colonial a raça foi utilizada como instrumento básico de classificação social na sociedade:
“A globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo colonial/ moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial. Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da população mundial de acordo com a idéia de raça, uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade especifica, o eurocentrismo”. [QUIJANO, 2005, p. 227]

O racismo está no cerne das questões sobre a modernidade, afinal o colonizador criou o conceito de negro, que atualmente foi positivado e utilizado como identidade política do movimento negro para legitimação social e histórica. Aimê Cesaire [1978, p. 31- 32] em seus escritos, trás reflexões acerca dos diversos massacres ocorridos ao redor do mundo, tais como os genocídios indígenas e a escravização do povo negro no continente Africano, mas de acordo com o autor o que esta sempre em evidência como a principal tragédia do mundo é o holocausto judeu. Esta, portanto, é a visão dos escritores brancos sobre o mundo.

Cesaire [1978] direciona sua escrita aos intelectuais burgueses que representavam o pensamento liberal e aos militantes contra o nacionalismo. Para ele o colonialismo tem duas faces, um regime de exploração de imensas massas humanas que tem a sua origem e sustentação na violência e o de uma “forma moderna de pilhagem”, tendo como a lógica o racismo. Essa superioridade ocidental esta expressa em toda a história, ou seja, os europeus teriam inventado a ciência, a religião, o intelecto e tudo de mais importante e fundamental da humanidade.

Quijano [2005] elaborou o conceito Colonialidade do poder para propor uma forma de compreender as desigualdades que ocorrem historicamente na América Latina. Para ele, a Coloniadade do Poder é o que sustenta o imaginário europeu – lembrando que não é necessário ser europeu para pensar assim, o oprimido também reproduz valores e princípios universais – no qual a Europa [centro] é a própria modernidade e o restante dos países é a Colonialidade [periferia]. Dessa forma, as sociedades europeias explicam seu poderio, legitimam sua exploração e fazem parecer normal as desigualdades existentes, além disso, alastram suas visões de mundo como padrão a ser seguido por todos.

Para Mignolo, a Colonialidade do poder é uma das estratégias utilizadas pela modernidade para autodescrição da Europa e faz parte indissociável do Capitalismo, pois a História do Capitalismo o traz como se ele fosse apenas europeu e onde todas e todos tivessem relações de poder de acordo com suas capacidades, mas não é o que de fato acontece, a Colonialidade do poder é, nas palavras do autor, “o eixo que organizou e continua organizando a diferença colonial, a periferia como natureza” [2005, p. 34].

No caso do Brasil os reflexos da Colonialidade são gritantes, a população negra é a maior parte da população que vive em condições precárias, são vítimas de um Estado e de uma sociedade que a vê como bandida, o estigma da cor faz o povo negro sofrer um genocídio que, diga-se de passagem, já acontece desde o dia em que foram sequestrados e trazidos para cá. As mulheres negras estão na sua maioria em serviços informais, recebendo um salário menor do que as brancas, além disso são as maiores vítimas de abusos, estrupo, mortes e violação dos direitos humanos, tanto em serviços públicos [universidades, hospitais, etc], quanto nas ruas e em locais privados.

E não é por acaso que isso acontece, por que apesar de ainda persistir no Brasil o chamado mito da democracia racial, no qual historicamente ajuda a recusar ou minimizar a existência do racismo, diversos dados apontam que este país foi e permanece extremamente desigual com as pessoas negras. Exemplo disso é a luta de setores da elite contra as políticas de reparação, como as cotas raciais em universidades [reservas de vagas em instituições públicas ou privadas], fato que mostra o quanto a população minimiza os efeitos da diáspora sobre a população afrodescendente. Os povos negros e indígenas, por meio da Colonialidade do poder, tiveram sua cultura e saberes estereotipados e foram colocados de fora do processo político, social, educacional e cidadão. Através das políticas públicas, conquistadas com muito suor pelos movimentos sociais, têm se tentando caminhar por uma Descolonização dos saberes para que assim consiga sanar os problemas de desigualdades e preconceitos com as populações subalternizadas da nossa sociedade.

Caminhando para a Decolonização dos estudos
De acordo com o militante e estudioso Franz Fanon “a descolonização se propõe mudar a ordem do mundo” [1979, p. 26], a ordem do mundo é aquela imposta pelos países europeus ao restante das populações, fato que lhes retirou de forma violenta, ao longo da História, a humanidade. Fanon pensa no colonizado e no colonizador, sem ter uma visão polarizada, ele pensa os dois e os efeitos de ambos na sociedade, além disso, nos abre os olhos para observarmos que no contexto colonial o que diferencia umas pessoas das outras é a sua raça e é em nome disso que ocorreu todas as brutalidades já reconhecidas pela História e decorrentes na vida daqueles que as sofrem.

A exploração colonial teve e tem um caráter totalitário, pois se introjeta na vida como um todo do colonizado, indo desde a religião à limitação do espaço físico que os grupos colonizados irão acessar. Por isso, a perspectiva deste estudioso segue pelo viés de transformação radical do mundo colonial que desumaniza todo o tempo o colonizado, sob uma “linguagem zoológica”. Descolonizar não se dá num processo amigável, é sempre um fenômeno violento [FANON, 1979, p. 51], significa que o colonizador marca o tempo todo o colonizado, dizendo o que ele pode ou não fazer, o que e quem ele é, essa violência se relaciona ao fato de que se retira do outro a possibilidade de decidir sobre si mesmo.

Na descolonização, o colonizado se vê como um ser humano tal qual os colonos, as pessoas não são passivas, elas não tem o mesmo poderio político e econômico para mudar a situação. Dessa forma, o intelectual descolonizado perceberá a necessidade de se afirmar e tendo compreensão dos males da colonização fará a escolha de não seguir pela mesma lógica alienadora do conhecimento europeizado. Logo, conforme Fanon [1979] será o intelectual descolonizado que retirará o poder de Verdade histórica, que sempre teve condicionado ao colonizador, e assim, olhará às múltiplas faces, temporalidades, tensões e conflitos dos povos subalternizados. É seguindo essa perspectiva do intelectual descolonizado que devemos lembrar que nos colocamos “sempre a partir de um determinado lugar situado nas estruturas de poder. Ninguém escapa as hierarquias de classe, sexuais, de gênero, espirituais, linguísticas, geográficas e raciais” [GROSFOGUEL, 2009, p. 386].

A decolonização foi extremamente importante por ser um processo de libertação política, epistêmica e cultura do pensamento colonial:

“Os estudos decoloniais compartilham um conjunto sistemático de enunciados teóricos que revisitam a questão do poder na modernidade. Esses procedimentos conceituais são: 1. A localização das origens da modernidade na conquista da América e no controle do Atlântico pela Europa, entre o final do século 15 e o início do 16, e não no Iluminismo ou na Revolução Industrial, como é comumente aceito; 2. A ênfase especial na estruturação do poder por meio do colonialismo e das dinâmicas constitutivas do sistema -mundo moderno/ capitalista e em suas formas específicas de acumulação e de exploração em escala global; 3. A compreensão da modernidade como fenômeno planetário constituído por relações assimétricas de poder, e não como fenômeno simétrico produzido na Europa e posteriormente estendido ao resto do mundo; 4. A assimetria das relações de poder entre a Europa e seus outros representa uma dimensão constitutiva da modernidade e, portanto, implica necessariamente a subalternização das práticas e subjetividades dos povos domina dos; 5. A subalternização da maioria da população mundial se estabelece a partir de dois eixos estruturais baseados no controle do trabalho e no controle da intersubjetividade; 6. A designação do eurocentrismo/ocidentalismo como a forma específica de produção de conhecimento e subjetividades na modernidade”. [QUINTEIRO; FIGUEIRA; ELIZAIDE, 2019, p. 05].

Diante disso, vemos que a decolonialidade se constrói através da percepção das inúmeras realidades históricas e de múltiplos sujeitos que tiveram suas vidas e vivências pautadas na Colonialidade do poder.

O artigo “Aprendizagem e Ensino das Africanidades Brasileiras” esta inserido no livro “Superando o racismo na escola”, organizado por Kabengele Munanga, escrito pela Dra. Petronilha Silva, nos trás considerações reflexivas sobre as raízes culturais e históricas advindas com os povos escravizados da África e difundidas no Brasil todo. As Africanidades constituem processos que ocorreram e ainda ocorrem há séculos e dão origem a muitas formas de conhecer, manifestar, ver e viver no tempo e espaço.

Essa é uma perspectiva de decolonialização, os processos de inserção de estudos que valorizem e deem espaço para discussão das Africanidades, estão imersos no que a autora chamou de pedagogia antirracista, que pressupõe “diálogo, reconstrução do discurso e da ação pedagógicos, estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira” [SILVA, 2005, p.160]. A Africanidade é um campo de estudo que pesquisa e pensa a cultura e a história dos povos africanos e afrodescendentes a partir de uma perspectiva decolonial, que pode ser aplicada em diversas disciplinas do currículo escolar, já que compreende o todo.

Considerações finais
Estudar as Africanidades é fundamental para valorizar o arcabouço histórico-étnico e cultural dos povos afrodescendentes, de tal modo que se busque constituir políticas que combatam o racismo na escola e na sociedade. Abordar tais assuntos dentro dos espaços de educação auxiliam na quebra de preconceitos e a estabelecer novos olhares sobre o outro.

Quando a/o historiador/a volta o olhar para práticas sociais fora dos parâmetros da ideologia dominante, nos relacionamos de forma dialética com o sujeito histórico. Precisamos nos livrar dos conceitos totalizantes para termos a sensibilidade necessária para utilizar a teoria e a metodologia a favor da construção de uma história que priorize os sujeitos históricos, criando categorias de análises através de pressupostos deles mesmos e não nossos.

Transformar o estudo sobre as sociedades africanas evidenciando prioritariamente as suas próprias visões de mundo e os seus saberes, sem colocá-los em contraponto ou em comparações a saberes de outras sociedades é um desafio para o mundo romper com estereótipos e avançar no quesito da igualdade. Da mesma forma devemos pensar em nossas pesquisas, é importante que se construa uma ponte para que nossos conhecimentos prévios não se sobreponham as formas das outras pessoas se enxergarem no tempo e espaço, isso é extremamente necessário, afinal temos um comprometimento social e político com aquilo que produzimos na História.

Referências
Kenya Jessyca é graduada em história pela Universidade Federal do Pampa.

CESAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. 1ª Ed. Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1978.
DIAS, Maria Odila Silva. Hermenêutica do quotidiano na historiografia contemporânea. Projeto História, 17, p. 223-258, nov. 1998.
DIEGUES, A. C.; ARRUDA, R. S. V. Saberes Tradicionais e Biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.
EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1979.
GRASFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos póscoloniais: Transmodernidade, Pensamento de Fronteira, e colonialidade global. In: SOUSA SANTOS, B; MENESES, M.P. Epistemologia do sul. São Paulo: Ed. Cortez, 2010.
GIROUX, Henry A. Atos Impuros. A prática política dos Estudos Culturais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MIGNOLO, W. A colonialidade de cabo a rabo: hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER, E. [coord.]. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Clacso, 2005.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Aprendizagem e Ensino das Africanidades Brasileiras. In: MUNANGA, Kabengele [Org.]. Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 160.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. 1ª edição. Buenos Aires: ConsejoLatinoamericano de Ciências Sociales – CLACSO, 2005. P. 227-278.
QUINTEIRO; FIGUEIRA; ELIZAIDE. Uma breve história dos estudos decoloniais. Museu de Arte de São Paulo. 2019, p. 05
RESTREPO, Eduardo. ROJAS, Axel. Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y cuestionamientos. 1ª Ed. Popayán, Samava. 2010.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Aprendizagem e Ensino das Africanidades Brasileiras. In. MUNANGA, Kabengele. [ORG.] Superando o Racismo na escola.

4 comentários:

  1. Olá, Kênya!
    Parabéns pelo texto; não só pela habilidade de tratar muito bem do tema, mas também pela escrita que tornou a experiência de leitura simples e compreensível.
    Gostaria de provocar algo que já vem me preocupando nos últimos tempos e que dialoga com temas envoltos na colonialidade e manutenção de um ensino de História baseado em categorias eurocêntricas. Vemos muito, atualmente, a recriação ou exacerbação de um sentimento nacional brasileiro, evocando as cores da bandeira, o passado monarquista, líderes advindos da elite da sociedade brasileira de formação política liberal e dialogando com a religiosidade católica. Entendo que nesse momento de disputa dessa simbologia a sala de aula emerge como espaço fundamental nesse processo, trazendo exemplos de sujeitos, produções culturais e movimentos políticos que não necessariamente são tributários de um pensamento eurocêntrico e colonizador, ou seja, tratar de religiões não-cristãs; povos tradicionais, diaspóricos, manifestações culturais diversas etc. Assim, fica o questionamento: Corremos risco de forjar um novo caráter nacionalista (nacionalismo enquanto categoria da modernidade/colonialidade, interessante ao controle europeu das subjetividades) baseado em novos elementos e sujeitos? Se sim, que percursos podemos trilhar para fundamentar um processo de ensino subalterno e condizente com a intersubjetividade que desejamos construir?

    Desde já agradeço.
    Att,

    Luiz Vinícius Maciel Silva

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    1. Olá Luiz,
      Obrigada pelo carinho.

      A longo prazo espero que sim, muito embora devemos ter em mente que esse processo é marcado por muitos embates, principalmente sob um contexto político orientado por vozes que permanentemente tentam desqualificar as lutas pelo acréscimo desse repertório cultural marginalizado historicamente. Considero a tua questão complexa para desenvolver-se numa resposta única, só ela poderia ser tema de um simpósio inteiro e ainda assim haveria o que se discutir (rs). Muitos grupos têm se organizado através de laboratórios, tais como os NEABs no país todo, coletivos não institucionalizados, assim como espaços são forjados o tempo todo por pesquisadoras e pesquisadores no intuito de realizar ações nesse sentido. Estes grupos trabalham a partir de percursos encarados sob a óptica da tríade classe, raça e gênero, já que a colonialidade se estabelece dentro de todos os segmentos da vida, mas seu caráter se manifesta dentro das estruturas de poder do capitalismo, do racismo e do patriarcado. Esse trabalho incentiva o reconhecimento e o respeito à nossa formação social e histórica, assim como contribui para devolver à América Latina o protagonismo sobre sua identidade, memória e História, ainda hoje usurpada pelos colonizadores.

      Espero ter te respondido (mesmo que minimamente).

      Um abraço virtual.
      Kenya.

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  2. Prezada Kênya, Parabéns pelo Texto!
    É verdade que as discussões em torno dessa temática no meio acadêmico tem ganhado terreno nos últimos anos, embora a sua expansão ainda esteja, me parece, bastante lenta. De qualquer maneira os reflexos de tais discussões já deveriam ter inferido na elaboração dos livros didáticos, mas estes ainda apresentam um profundo domínio eurocêntrico na elaboração do seu discurso. Gostaria de saber se, a partir da discussão que você propõe, principalmente sobre as populações negras, também há algumas reflexões que direcione os professores de história da educação básica sobre como abordar o conteúdo dos materiais que o educando tem acesso tanto os livros didáticos como também as mídias, a partir de uma desconstrução, uma descolonização desses saberes.

    Obrigado!

    Att,
    Rivaldo Amador de Sousa

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    1. Olá Rivaldo,
      Grata pelo carinho.
      Apesar dessas questões não serem “novidade” no mundo da pesquisa na área das ciências humanas, é relativamente natural que o processo seja lento. A mudança de ideias e quebra de paradigmas é algo que demanda tempo e mais do que tempo, demanda interesses e não me refiro a quem trabalha nessa perspectiva, mas aos ditos donos do poder (grandes mídias, igrejas, empresas, etc).
      Concordo com você sobre os livros didáticos, embora tenha alguns que estão caminhando para a inserção de novos protagonistas, ainda é muito pouco perto do que seria ideal. Mas sabemos que a elaboração e venda dos livros didáticos também está relacionada às esferas econômicas. As editoras, de forma geral, dão um prazo curto para a elaboração e mais, sabemos que a formação docente de muitos profissionais que estão atuando também foi em grande medida voltada aos ditames do colonialismo.
      Quanto às abordagens didáticas é relevante utilizar os livros didáticos de forma a ser um instrumento para fazer perguntas, ou seja, inserir os “porquês”, por exemplo: Por que só aparecem fotografias do povo negro sofrendo agressões físicas? Porque não há inserção de poetas negros e negras neste livro? Sob qual orientação ideológica esta escrito tal texto? Nele se é contada a história pelo olhar do colonizador ou do subalterno?

      A partir de perguntas simples como estas, é possível instigar a reflexão da juventude e trabalhar aspectos relacionados às suas vivências (Já sofri preconceito de classe? já foi perseguido num supermercado por ser negro? Como são as relações de divisão sexual do trabalho doméstico dentro e fora de casa?); a mídia (historicizar, por exemplo, o motivo pelo qual as balas da polícia militar só encontram corpos de crianças negras – o que é e como funciona o racismo no Brasil e no mundo); a escola em que estão (Como a escola trabalha com questões relacionadas às identidades de jovens e crianças? Em situações problemas, a instituição fuge do assunto ou trabalha em cima dele?); a cidade (Quem construiu os patrimônios arquitetônicos da cidade, não me refiro a quem assinou a obra como engenheiro, mas quem foram os trabalhadores e trabalhadoras braçais envolvidos no processo? Por que não há registros sobre a participação das mulheres em determinado local de prestígio e poder? A juventude das periferias participam de atividades de cultura e lazer, como teatro e museus nesta cidade? Ou seja, há oportunidades gratuitas e infra-estruturar voltadas a fazer com que esta juventude possa, de fato, participar de tais ações? Se não, por que?), etc.

      Na sala de aula, estas são formas de trabalhar para descolonizar os saberes e orientar à reflexão sobre a História “que a História não conta”.

      Espero ter contemplado tua questão (mesmo que minimamente).
      Um abraço virtual.
      Kenya.

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