Diogo Luiz Lima Augusto


DEMOCRACIA, POPULISMO E PÓS-VERDADE: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO ENSINO DA HISTÓRIA




A pesquisa Datafolha, publicada em 1 de janeiro de 2020 pelo jornal Folha de São Paulo, apontou que 62% dos brasileiros consideram a democracia como a melhor forma de governo. Apesar da defesa à democracia ainda ser majoritária entre os brasileiros adultos, em comparação a última pesquisa feita pelo Datafolha, desenvolvida na semana do primeiro turno da eleição de 2018, houve um recuo de sete pontos percentuais [MAGALHÃES, 2020]. Malgrado algumas ressalvas em relação à pesquisa que não cabe agora discutir, o certo é que no primeiro ano do mandato de Jair Messias Bolsonaro como Presidente da República o apoio à democracia entrou em um quadro de retração. Não sabemos se aponta para uma tendência ou representa, no entanto, apenas um encolhimento circunstancial já observado em outros momentos de nossa história. Chama a atenção, contudo, que 38% dos entrevistados demostraram ter dúvida de ser a democracia a melhor forma de governo. Nossa hipótese é que a eleição de Bolsonaro e todo o fortalecimento de um discurso de extrema direita no Brasil dos últimos anos traduz, em última instância, um enfraquecimento global do modelo de democracia liberal. Também podemos afirmar que o governo de Bolsonaro expressa o fortalecimento do populismo autoritário no cenário político brasileiro. Desta sorte, diante deste cenário, segundo nossa tese, o ensino da história é desafiado a mobilizar novas abordagens metodológicas.

A crise do capitalismo liberal e o populismo
O que geralmente os cientistas políticos chamam de democracia em pleno direito é a democracia liberal. Significa, a rigor, proteções fortes para liberdades básicas, tratamento justo das questões raciais e das minorias culturais, estado de direito robusto, no qual todos os cidadãos são iguais nos termos da lei e ninguém está acima dela, um judiciário independente, instituições policiais confiáveis, mecanismos de controle da conduta dos altos  funcionários  do  governo, transparência pública e uma sociedade civil ativa construída através de associações independentes, movimentos sociais, universidades e imprensa livre. Esses elementos constituem algo mais próximo do pacote político completo de uma boa democracia. [DAHL,2012].

Segundo Larry Jay Diamond [2019], professor de Sociologia e Ciência Política da Universidade de Stanford, estamos vivendo, no início do século XXI, uma onda reversa desse modelo clássico de democracia liberal. Até o ano de 2006 o mundo assistiu três décadas de progresso democrático. Entretanto, de 2006 a 2017 a democracia diminuiu de 58% de países com população acima de um milhão para 51%. Larry Diamond [2019] chama esse processo de “recessão democrática” do mundo atual, inclusive com o declínio das liberdades em países de democracia historicamente mais consolidada. É neste espaço de crise da democracia liberal que o apelo populista se estrutura, especialmente a partir da frustração de promessas não cumpridas pelo governo democrático.

Alguns autores, dentre os quais Yascha Mounk [2018], usam o conceito de “democracia iliberal” para caracterizar a atuação dos líderes populistas. Isto é, os políticos populistas mantêm, segundo essas interpretações, a estrutura da democracia intacta, mas ameaçam as liberdades individuais que limitam o poder discricionário do Estado. Jean-Werner Müller [2016], historiador e professor da Universidade de Princeton, contudo, critica o uso do conceito de “democracia iliberal”. Segundo o autor, os populistas se posicionam contra o liberalismo, mas desejam manter a ideia de serem democráticos. Logo, o uso do conceito de “democracia iliberal” pode ser interessante para a própria afirmação dos líderes populistas. Segundo esta perspectiva, na verdade, o populismo seria uma distorção do processo democrático. Desta sorte, o autor prefere utilizar a designação de “democracia defeituosa” para explicar o processo de corrupção da lógica democrática pela política populista [MÜLLER,2016].

Uma democracia corrompida traduz, em determinados aspectos, o que seus cidadãos pensam e valorizam. A corrupção endêmica no governo, a ganância estrutural dos políticos e oportunismos de toda sorte destroem não somente a confiança no governo, mas igualmente entre os próprios cidadãos. Em última instância, fragmenta a sociedade e contribui para sustentar a retórica populista do “nós contra eles” [DIAMOND,2019]. Uma democracia saudável, por sua vez, incentiva a cultura do engajamento cívico e da governança responsável. Há, sem dúvida, uma maior confiança entre as pessoas e dessas em relação ao governo e uma maior facilidade de desenvolver associações que busquem promover melhorias no processo democrático. Não há, contudo, democracia no mundo que seja perfeita e que não encontre diversos problemas. Como salientou Pierre Rosanvallon [2011], os processos democráticos são marcados por fraturas e brechas inevitáveis. Logo, não existe um modelo de democracia a ser usado como exemplo. No entanto, toda democracia exige, além dos pontos ressaltados acima, o pluralismo como condição precípua [DAHL,2012]. Em outros termos, exige o respeito mútuo e o reconhecimento da legitimidade dos adversários políticos. Os populistas, todavia, costumam mobilizar seus seguidores contra uma série de inimigos a serem confrontados.

De fato, como apontamos acima, uma das características do populismo é a visão crítica ao pluralismo democrático. Em outros termos, os populistas acreditam ser os únicos representantes do povo e consideram seus concorrentes como parte de uma política imoral e corrupta. Assim, os populistas mobilizam uma concepção de política baseada em uma representação holística. Isto é, um argumento pars pro toto, uma espécie de reivindicação de representação exclusiva: pensar em nome do povo com um todo [MÜLLER,2016]. Naturalmente, essa visão idealizada acerca do “povo” encontra suas limitações nas opiniões divergentes. Entretanto, os populistas produzem uma distinção específica das pessoas. De fato, somente quem se alinha as ideias do populista deve ser levado em consideração. Isto explica, em certo sentido, a postura crítica de Bolsonaro em relação às pesquisas de intenção de voto durante a campanha eleitoral de 2018. É inconcebível para um populista que sua visão de representação do povo encontre brechas. Desta sorte, a opção é atacar as instituições de pesquisas ou mesmo a estrutura do sistema eleitoral. Não é por acaso que Bolsonaro, no dia 28 de setembro de 2018, já próximo do fim do primeiro turno das eleições, em uma entrevista ao Datena na Band, afirmou que só aceitaria o resultado que o desse a vitória [ALESSI; MARREIRO,2018]. Ainda durante a disputa das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral [TSE] determinou a exclusão de um vídeo compartilhado nas redes sociais no qual Bolsonaro criticava às urnas eletrônicas [TSE,2018]. Mais recentemente, apesar de eleito no segundo turno com 55% dos votos válidos, e com mais de um ano de mandato, Bolsonaro afirmou possuir provas de que houve fraude eleitoral que o impediu de vencer no primeiro turno [AVERBUCK,2020].

Como se pode notar, essa representação exclusivista acerca do povo não se assenta em bases empíricas, mas sim em uma ordem moral, simbólica e sentimental [MÜLLER, 2016]. Daí a necessidade, dissertada acima, de elencar inimigos a serem vencidos. Já que essa representação é, por excelência, sempre falha, quem não participa dessa comunidade de “escolhidos” só pode ser visto como inimigo. Bolsonaro, por exemplo, para fazer crer que luta contra os poderosos de uma elite política, não consegue governar sem eleger inimigos. Dos supostos comunistas à antigos aliados todos conspiram, segundo Bolsonaro, contra o seu mandato [VASCONCELOS,2019]. Em verdade, Bolsonaro foi eleito como uma consequência direta ao ódio contra o Partido dos Trabalhadores e a esquerda de uma forma geral. A visão contra o pluralismo, por sua vez, está relacionada, segundo nossa perspectiva, a outra característica da lógica populista: a oposição aos intelectuais e uma narrativa contra os especialistas. Tal aspecto nos remete à discussão acerca dos negacionismos da história e a chamada era da pós-verdade.

A pós-verdade e o negacionismo histórico
Há a mobilização de um revisionismo histórico, com fins políticos, em curso no Brasil ao menos desde 2011. Na ocasião, ainda no Governo de Dilma Roussef, foram promovidas políticas públicas de memória da Ditadura Civil-Militar como a Comissão Nacional da Verdade [BAUER, 2019]. Já na época, como forma de oposição aos trabalhos da Comissão da Verdade, já circulava nas redes sociais, assim como no discurso de alguns parlamentares, dentre os quais Bolsonaro, visões negacionistas acerca da Ditadura. Em 2013 diante da onda de manifestações, caracterizada por uma intensa insatisfação com o modelo político vigente, apareceu pela primeira vez na sociedade civil, ao menos de forma declarada, o apoio das Forças Armadas no poder [BAUER, 2019]. É nesta conjuntura que os discursos negacionistas acerca da história, como os que afirmam que não houve golpe em 1964 ou que o Nazismo foi um movimento de esquerda, encontraram nas redes sociais, especialmente a partir de 2015 no segundo mandato de Dilma Rousseff, grande adesão e circulação.  Essas páginas e perfis nas redes sociais, em sua maioria, já desde 2015, clamavam Jair Bolsonaro como futuro Presidente da República.
Para compreendermos um pouco melhor os processos políticos que desencadeiam, atualmente, o enfraquecimento da democracia liberal e fortalecem líderes populistas, como Bolsonaro, os quais mobilizam discursos negacionistas acerca da história, cumpre dissertamos, por ora, sobre a ideia da pós-verdade. No ano de 2016, a Oxford Dictionaries, departamento da Universidade de Oxford, elegeu o termo “Pós-verdade” como a palavra do ano [G1, 2016]. O vocábulo é definido como uma condição política marcada pelo apelo às emoções e crenças em detrimento de argumentos racionais [OXFORD DICTIONARIES, 2016]. O prefixo “pós” não indica, todavia, que estamos para “além” da verdade, mas sim que a distinção entre verdade e mentira já não é mais tão importante [KALPOKAS,2019]. Isto é, os critérios através dos quais os fatos são interpretados se modificaram.

Consequentemente, segundo o pesquisador Jayson Harsin é fundamental repensarmos o conceito de “regimes de verdade” de Foucault para a sociedade do século XXI [HARSIN,2015]. Para isso Jayson Harsin [2015] propõe o conceito de “regimes de Pós-verdade”, o qual é caracterizado, a rigor, pela proliferação de “mercados de verdade”. Para Foucault, grosso modo, as noções de verdade possuem uma historicidade, ao passo que cada sociedade possui seu regime de verdade. Este regime de verdade é transmitido hegemonicamente pelos sistemas de poder [FOUCAULT, 2014]. Neste sentido, o regime foucaultiano de verdade é, em última análise, transmitido e produzido por uma elite dominante. Em contrapartida, no conceito de “regime de pós-verdade” esposado por Harsin, o discurso que produz saberes está disperso socialmente. Há, assim, uma pluralidade de “mercados de verdade” concorrentes produzidos por atores sociais multifacetados [HARSIN, 2015]. Essa modificação na lógica da verdade, a rigor, está intrinsecamente relacionada às mudanças na dinâmica do poder e da autoridade no capitalismo contemporâneo, notadamente em sua evolução neoliberal [COSENTINO, 2020].

Como nos elucidou o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, a técnica de poder do regime neoliberal é mais sutil, permissivo e flexível em relação às sociedades disciplinares estudadas por Foucault [HAN, 2014]. Com outras palavras, o poder, nas sociedades neoliberais, é produto de uma exploração da liberdade. O sujeito neoliberal é interpretado como empresário de si mesmo, o qual se pretende livre, acredita ser livre, mas, na verdade, é coagido por diferentes vias [HAN, 2014]. Desta sorte, o capitalismo neoliberal transforma a exploração em autoexploração. Neste sentido, as necessidades do capital são sentidas como desejo das pessoas [HAN, 2014]. Segundo esta perspectiva, o poder não pode ser lido apenas na dimensão negativa, como censura, opressão, violência, exclusão e dissimulação. Há, algo que Foucault já apontava, uma produtividade do poder que penetra nos corpos e produz desejos, saberes e discursos [HAN, 2019]. O que Foucault não dissertou, contudo, é que o poder na sociedade neoliberal desperta o desejo a partir de atos voluntários mobilizados pelo próprio sujeito [HAN, 2019] O poder cria continuidade e dispersa sua vontade como desejo dos indivíduos. Assim, a sociedade disciplinar teorizada por Foucault não é mais, segundo Byung Chun-Han, a sociedade neoliberal do século XXI [HAN, 2015]. Essa sociedade, por sua vez, converte o cidadão em consumidores ávidos por maximizar a utilidade e a satisfação dos seus atos [HAN, 2014].

O “regime de pós-verdade”, a rigor, é uma faceta dessa lógica do cidadão-consumidor, o qual busca em um “mercado de verdades” satisfação e prazer [COSENTIN0, 2020]. A era das redes sociais e das novas mídias de comunicação é formada, justamente, por consumidores ativos que se envolvem com as informações e as compartilham de maneira voluntária, buscando, em última instancia, a confirmação de suas opiniões. Segundo esta perspectiva, a pós-verdade pode ser interpretada como um processo de maximização coletiva do prazer [KALPOKAS, 2019]. É agradável ter, para a maioria das pessoas, seus argumentos validados. Decerto, é comum as pessoas terem mais facilidade em confirmar o que já pensam do que questionarem suas convicções.

Dentro desse “mercado de verdades” cuja moeda é uma narrativa filtrada pelos próprios adeptos de um contexto enunciativo, ainda que seus argumentos sejam questionados e desmascarados, dificilmente perderão sua força. Segundo o filósofo e pesquisador Ignas Kalpokas [2019], esse ambiente comunicativo produz “verdades afetivas” que mobilizam audiências e causam envolvimento emocional.  O conteúdo dessas narrativas é carregado de artifícios para atrair o público e ter sucesso dentro de um mercado competitivo [CONSENTINO, 2020]. Daí a necessidade de mensagens simples e com caráter apelativo.

A avaliação de que as pessoas se atraem por esse tipo de conteúdo por dificuldade de compreensão ou deficiência de estudos formais erra, sem dúvida, na questão essencial do problema. O ambiente das redes sociais nos quais as pessoas consomem diversas mensagens diariamente, desaconselha o raciocínio mais elaborado e, especialmente, priorizam apelos emocionais momentâneos. Nesse sentido, não se trata, segundo nossa perspectiva, exclusivamente, de falta de entendimento sobre um assunto, mas sim de satisfação na confirmação de concepções pretéritas enraizadas socialmente. Com efeito, há outras considerações que devem ser investigadas sobre o sucesso das notícias falsas nas redes. Não será apenas a retomada de um pensamento crítico e conscientização ética no mundo digital que solucionará essa espinhosa questão.

Aqui, cumpre pensamos a relação da discussão feita até esta parte deste ensaio com os desafios do ensino da história. Como dissertamos acima, o regime de pós-verdade se estrutura, entre outros aspectos, pela capacidade de atingir elementos de ordem emocional: ressentimentos, frustrações diversas, ansiedades, medos, dentre uma miríade de sentimentos.  Assim, a compreensão dos mecanismos emocionais subjacentes a produção das notícias falsas e de toda sorte de comunicação que mobiliza essa cultura da pós-verdade é importante para pensarmos novas estratégias do ensino da história nas práticas pedagógicas em nosso cotidiano escolar.



Desafios contemporâneos do ensino da história
Nossa hipótese é que o ensino da história, sem excluir outros métodos pedagógicos, deve buscar promover uma educação pautada na afetividade no processo do ensino-aprendizagem como forma de reduzir a força das notícias falsas entre os educandos. Cumpre afirmar que a natureza didático-pedagógica do ensino da história se transformou em diversos aspectos ao longo das últimas décadas. Diante desse quadro geral de mudanças sociais, novas questões desafiam o processo educacional e exige aos educadores a revisão de determinados pressupostos teóricos-metodológicos [FONSECA, 2009]. Com efeito, no espaço escolar o encontro entre os saberes dos alunos e dos professores se deparam com novas exigências no ato de aprendizagem.

Como nos elucida a autora Ana Maria Monteiro [2007], a educação escolar deve buscar tornar os saberes assimiláveis e compreensíveis para o educando. Desta sorte, o espaço escolar é um lugar de encontros e tensões nos quais as relações construídas produzem significações e sentidos multifacetados [SCHIMIDT; CAINELLI,2010]. A escola é, por excelência, palco de um espaço plural e de manifestação de subjetividades e identidades diversas.

Segundo nossa hipótese, é fundamental o professor estar atento às múltiplas vivências com as quais convive no cotidiano escolar. Dentro desta perspectiva, cabe ao professor construir propostas pedagógicas que se atentem as dimensões cognitivas, sociais, políticas, éticas e afetivas dos educandos. Como nos elucida Fonseca [2009], apesar da formação do ser humano não ser, a priori, tarefa exclusiva da escola, diante de novos cenários sociais, é importante uma educação construída a partir de uma participação mais afetiva do professor em relação ao seu aluno. Paulo Freire [1996] já nos chamou atenção que não há separação entre a atividade docente e afetividade, pelo contrário devem caminhar juntas, embora nunca deva interferir nos cumprimentos do papel do professor.

O ensino da história adquire, segundo nossa visão, um lugar de fundamental importância na construção da cidadania e da democracia tão ameaçadas pela lógica populista e a cultura da pós-verdade, conforme tentamos demonstrar acima. Acreditamos que o caráter essencialmente formativo do ensino da história permite aos professores acessarem discussões de grande relevância para a vida social e, por seu turno, promoverem formas afetivas de aprendizagem. Por exemplo, é o caso da possibilidade de incentivar a memória afetiva dos alunos para melhor compreensão de uma determinada discussão historiográfica. Importa citar, à guisa de exemplo, uma excelente dissertação de mestrado que procurou trabalhar com a construção da memória afetiva em sala de aula. Trata-se da dissertação defendida por Nair Sutil [2016] na Universidade Federal de Santa Catarina denominada “’Museu’ afetivo e ensino de História: práticas de memória na educação escolar”. A autora mapeou as fontes históricas e narrativas de cada aluno e seus familiares, assim como as comunidades nos quais viviam, e propôs aos alunos trazerem para esse “Museu” afetivo os objetos que poderiam ajudar na construção de narrativas históricas: do próprio aluno, das suas famílias, das suas comunidades e da história do Brasil. A tarefa proposta no trabalho foi ensinar história a partir do universo familiar e afetivo dos alunos.

A partir das questões tecidas acima, acreditamos que uma forma de neutralizarmos em determinados aspectos, ao menos entre nossos alunos, os efeitos das visões negacionistas da história e tudo que envolve a cultura da pós-verdade é incentivarmos práticas de ensino que busquem mobilizar a metodologia ativa no ensino da história, notadamente a que procure envolver a aprendizagem e o lado emocional do aluno.  Como afirmamos acima, o regime de pós-verdade produz “verdades afetivas” e, talvez, uma estratégia de negociação com esse tipo de “mercado de verdade” seja, justamente, pela capacidade do professor de mobilizar uma prática pedagógica que busque jogar com a questão afetiva dos aprendentes. Segundo a perspectiva que tentamos apresentar neste ensaio, a construção de laços afetivos entre o professor e o aluno no espaço escolar e as estratégias de envolvimento emocional do educando com a temática estudada, como o incentivo à memória afetiva, podem ser formas profícuas de prática pedagógica em um cenário de fortalecimento do regime de pós-verdade.

Referências
Diogo Luiz Lima Augusto é doutorando em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro [PUC-RJ]. Mestre em História Social Pelo PPGHIS-UFRJ. Bacharel em História pelo Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

AVERBUCK, Clara. Bolsonaro diz ter provas de que eleição foi fraudada. Forum. 9/03/2020. Disponível em
https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-diz-ter-provas-de-que-eleicao-foi-fraudada/.
BAUER, Caroline Silveira. La dictadura cívico-militar brasileña en los discursos de Jair Bolsonaro: usos del pasado y negacionismo. Relaciones Internacionales nº 57/2019 – [37- 51].
COSENTINO, Gabriele. Social Media and the Post-Truth World Order. The Global Dynamics of Disinformation. Switzerland: Palgrave Pivot, 2020.
DIAMOND, Larry. Ill Winds. Saving Democracy From Russian Rage, Chinese Ambition and American Complacency. New York: Penguin Press, 2019.
FONSECA, Selva Guimarães [Org.]. Ensinar e apreender História: formação, saberes e práticas educativas. Campinas: Alínea, 2009.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Paz e Terra, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.
------------------------. O que é o poder? Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
------------------------. Psicopolítica. Neoliberalismo y nuevas técnicas de poder. Barcelona: Herder Editorial, 2014.
KALPOKAS, Ignas. A Political Theory of Post-Truth. Switzerland: Palgrave Pivot, 2019.
MAGALHÃES, Guilherme. Apoio à democracia cai no primeiro ano do governo Bolsonaro, diz Datafolha. Folha de São Paulo. 01/01/2020. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/01/apoio-a-democracia-cai-no-primeiro-ano-do-governo-bolsonaro-diz-datafolha.shtml.
MARREIRO, Flávia. “Não aceito resultado diferente da minha eleição”, desafia Bolsonaro na TV aberta. El País. 29/09/2018. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/28/politica/1538156620_841871.html.
MONTEIRO, Ana Maria. Os saberes que ensinam: o saber escolar. In: Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 81-111.
MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia. Por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
MÜLLER, Jean-Werner. What Is Populism?  Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2016.
'Pós-verdade' é eleita a palavra do ano pelo Dicionário Oxford. G1. 16/11/2016. Disponível em
https://g1.globo.com/educacao/noticia/pos-verdade-e-eleita-a-palavra-do-ano-pelo-dicionario-oxford.ghtml.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2009.
SUTIL, Nair. “Museu” afetivo e ensino da história: práticas da memória na educação escolar. Dissertação [Mestrado Profissional] apesentado a Universidade Federal de Santa Catarina no Programa de Pós-Graduação em Ensino de História, Florianopólis, 2016.
TSE determina exclusão de vídeo em que Jair Bolsonaro critica urnas eletrônicas. TSE. 25/10/2018. Disponível em
http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/tse-determina-exclusao-de-video-em-que-jair-bolsonaro-critica-urnas-eletronicas.
VASCONCELOS, Gabriel. Bolsonaro diz ter inimigos dentro e fora do Brasil. Valor Econômico. 11/10/2019. Disponível em
https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/10/11/bolsonaro-diz-ter-inimigos-dentro-e-fora-do-brasil.ghtml.

7 comentários:

  1. Obrigado pelo texto, Diogo. Muito bom.

    Um fenômeno notável ocorrido no período eleitoral foi o de jovens de ensino médio manifestando certa empolgação com Bolsonaro e compromisso de dar o primeiro voto de suas vidas a ele. Contraditoriamente, muitos desses mesmos jovens, que estavam em idade de alistamento militar, também manifestavam repulsa à possibilidade de servirem ao Tiro de Guerra de suas cidades e por aí vai...
    Uma vez consideradas a fragmentação da formação humana dos currículos e percursos da educação básica, em que medida essa contradição pode ser compreendida como uma manifestação da multifacetada pós-verdade?
    Seria um indicativo da crise e da “recessão” do modelo de democracia liberal?
    Diante de tantas preocupações práticas que afetam mais diretamente as pessoas, porém, que carecem de fundamentações teórico-interpretativas mais sólidas dos fenômenos contemporâneos, como o ensino de história (e também de filosofia, sociologia e geografia – das Humanas em geral) pode efetivamente contribuir, com uma abordagem metodológica específica, para a superação de tal contradição (e sem cair na tentação de produzir “verdades afetivas”)?
    Por fim, em um cenário no qual argumentos não perdem força facilmente mesmo quando são questionados e desmascarados, como fazer com que o tão atacado discurso científico consiga vencer à narrativa que procura desconstruí-lo, ou seja, como fazer com que consiga ser mais atraente e, sobretudo, mais convincente na atual conjuntura?

    Elvis Rezende Messias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Elvis, muito obrigado por suas considerações e pela pergunta.

      Acredito que talvez não seja uma contradição a falta de interesse no alistamento militar e a empolgação dos jovens com Bolsonaro. É possível, inclusive, pensar que essa aparente contradição traduz, em última instância, elementos da cultura da Pós-verdade, como tentei discorrer no texto. Há uma parte deste ensaio que procuro sublinhar que a proliferação das mensagens falsas se coaduna com uma questão mais ampla de busca da maximização do prazer: "Segundo esta perspectiva, a pós-verdade pode ser interpretada como um processo de maximização coletiva do prazer [KALPOKAS, 2019].". Desta sorte, segundo minha hipótese, o apoio dos jovens a Bolsonaro não se fundamenta no fato dele ser, na condição de ex-militar, um representante dessa classe ou mesmo um defensor da militarização da sociedade, mas sim por dar voz a uma série de preconceitos enraizados socialmente. Acho também, embora teria que se fazer uma pesquisa para investigar, que os Jovens viram em Bolsonaro uma identificação na forma de se comportar. A ideia de Bolsonaro como mito se relacionaria, segundo esta perspectiva, a um comportamento intempestivo, isto é, agir de maneira inoportuna e imprevista. Os mais jovens costumam agir assim. Outra possível explicação seja a atuação de Bolsonaro nas redes sociais assim como de sua militância. Foi no Twitter e no youtube que se propagaram diversas mensagens de apoio a Bolsonaro desde 2015. Essas mensagens, a partir de uma estratégia para atrair visualizações, costumavam ser produzidas com certa jocosidade seja para defender Bolsonaro ou para atacar seus adversários. Logo, isso atraiu muitas pessoas, pois não havia outro político que conseguia se conectar com a linguagem dos jovens de uma maneira tão bem feita como a equipe de comunicação do Bolsonaro. Pode-se também pensar tal adesão pelo claro enfraquecimento da democracia liberal, como procurei apontar no texto. Digamos que esses jovens, assim como outras faixas etárias, procuravam uma espécie de outsider da política para votar, notadamente pela força que o discurso contra a política adquiriu a partir de 2013. Bolsonaro, o que é curioso, pois é um político de carreira, conseguiu construir uma narrativa como um elemento de fora da política.

      Quanto a parte final da pergunta, devo dizer que estamos vivendo um momento extremamente complicado. No entanto, a única forma de reduzirmos os efeitos sociais das Fake News é através de uma educação mais significativa para um aluno. A aprendizagem deve conversar com o cotidiano do aluno, levar em consideração seu ser-aí, sua disposição no mundo. Deve, em última instância, ser plástica, criativa, construída a partir da linguagem e vivência do educando. As humanidades têm um papel ímpar nesse processo. Ainda prefiro ser otimista, apesar dos pesares.

      Diogo Luiz Lima Augusto

      Excluir
    2. Elvis Rezende Messias22 de maio de 2020 às 00:29

      Diogo,
      Seu texto é excelente e sua resposta aqui foi lúcida e clara.
      Parabéns pela perspicácia e pela seriedade em pensar o presente.
      Grande abraço, companheiro!
      Gratidão.

      Elvis Rezende Messias.

      Excluir
    3. Elvis, muito obrigado pelas considerações.

      Diogo Luiz Lima Augusto

      Excluir
  2. Parabéns pelo texto e pelo desafio de escrever sobre a história imediata. Uma questão que me parece bastante confusa, atualmente é o conceito de populismo, principalmemte na imprensa. O que pensas disso e como defimir hoje esse conceito?
    Márcia Blanco Cardoso

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Este comentário foi removido pelo autor.

      Excluir
    2. Olá Marcia, muito obrigado pelas considerações e pela pergunta.

      De fato, há um uso confuso por parte da mídia do conceito de populismo. Como todo conceito, por sua vez, deve ser devidamente historicizado.
      Não é fácil, contudo, conceituar o termo populismo, e, talvez, isso explica a quantidade de controvérsias acerca do tema. Por exemplo, há alguns historiadores que não concordam com o uso do termo " populismo" para caracterizar o governo Bolsonaro. Evidentemente, segundo os autores que mobilizei no texto, não concordo com essa tese.
      Nos Jornais brasileiros, o termo populismo é utilizado de maneira imprecisa e confusa,mas há uma questão que se observa em quase todos eles: o populismo assume uma conotação pejorativa. Alessandro Batistella, em um excelente artigo ( http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/viewFile/97/75) afirma que já desde 1950 os jornais pensavam o populismo como algo pejorativo. Estaria subjacente a esses usos do conceito de populismo certa visão equivocada da cultura política do povo, a qual a historiografia já apontou. Não se trata mais de pensar o populismo sem destacar a importância dos atores sociais. De fato, diversos historiadores já sublinharam a necessidade de repensar tal conceito e destacaram que muitas políticas que beneficiaram o povo e que foram vistas como políticas populistas ( feita de cima para baixo) foram, na verdade, frutos de luta social dos setores populares. Logo,tais políticas não foram uma concessão do populista, mas sim fruto de pressões sociais que modificaram aspectos de uma determinada sociedade.
      É verdade que o populismo representado por Bolsonaro é de outra natureza em relação, por exemplo, ao populismo de Getúlio Vargas. O certo é pensar tal concepção sempre no plural. Ainda será preciso escrever a história desse populismo do século XXI. O que tentei apresentar no texto, a partir de uma historiografia americana bem recente sobre o tema, é que no século XXI o populismo é produzido a partir da cultura da Pós-verdade e do enfraquecimento da democracia liberal. Acredito que a lógica do populismo hoje deve ser pensada a partir destas questões.

      Diogo Luiz Lima Augusto

      Excluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.