ENSINO DE HISTÓRIA A PARTIR DO CARÁTER INCLUSIVISTA DA ESPIRITUALIDADE PENTECOSTAL
O último trabalho do
historiador romeno Mircea Eliade é uma obra composta por três volumes
intitulada História das Crenças e das Ideias Religiosas. Esse recorte
destaca-se entre sua vasta produção, pois se propõe a falar não apenas das
religiões, mas daquilo que as animam: as crenças (práticas, ritos, mitos) e as
ideias religiosas (narrativas, doutrinas, dogmas, teologias). Uma proposta
audaciosa considerando que o historiador avança em aspectos que não se
restringem ao campo especificamente historiográfico.
Essa postura, contudo,
conforme o referido autor informa no prefácio do primeiro volume, não deve
surpreender, pois: “Para o historiador das religiões, toda manifestação do
sagrado é importante; todo rito, mito, crença ou figura divina reflete a experiência
do sagrado e por conseguinte implica as noções de ser, de significação e de
verdade” [Eliade, 2010, p. 13]. Neste caso, a importância daquilo que é sagrado
ao adepto de determinada religião constitui o objeto de pesquisa do historiador
e não depende de nenhum juízo de valor de sua parte. Em um país profundamente
religioso como o Brasil, conhecer minimamente as crenças e ideias que compõem
um dos principais segmentos da religião cristã, significa entender muitos
outros aspectos do nosso povo.
Uma vez que o Brasil
possui uma população miscigenada e negra, talvez não surpreenda os
pesquisadores a informação de que há 20 anos, de acordo com o senso do IBGE,
dos quase 12 milhões de adeptos do pentecostalismo, mais de 8 milhões eram
negros [Oliveira, 2004, p. 20]. Todavia, quando comparamos o tempo em que as
igrejas protestantes se instalaram no país ao período em que a expressão
pentecostal aqui se estabeleceu, e analisamos a cor que predominou em cada um
desses segmentos, é impossível não se surpreender. Para se entender essas
diferenças, além das ferramentas sociológicas, é necessário o auxílio da
historiografia, pois só assim pode-se compreender o caráter inclusivista da
espiritualidade pentecostal e utilizá-lo como um ponto partida no ensino de
história.
Tal conhecimento é
fundamental, não apenas por se tratar de um capítulo particularmente importante
no conhecimento histórico, mas para se compreender melhor o que se passa em
nosso próprio tempo e, ainda mais, mostrar aos estudantes que eles precisam assumir
a “posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito da História”,
pois quanto mais os seres humanos se perceberem como inconclusos e inacabados,
“exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de ensinar
quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos” [Freire,
2002, p. 60,65]. Isso significa reconhecer a “História” como “tempo de
possibilidade”, como disserta Paulo Freire [2002, p. 21], e não apenas como um
acúmulo de acontecimentos com datas e nomes que “ficaram lá no passado” e que
os educandos têm de memorizar.
Uma
religião eurocêntrica
No cosmo das
religiões, o cristianismo, que como todas as demais, foi fundado e criado pelos
homens, idealmente, em torno dos ensinamentos de Jesus Cristo de Nazaré, conta
com cerca de dois mil anos. Como a segunda de uma tríade religiosa monoteísta
de origem semita (judaísmo, cristianismo e islamismo), a religião cristã
desenvolveu-se na esteira das grandes navegações e conquistas territoriais. Sua
proposta de salvação universal acabou sendo privilegiada pela expansão imperial
romana e a língua grega, elementos que serviram de catalizadores para o aspecto
conversionista do cristianismo.
Desenvolvido
inicialmente com uma proposta universalista, percebida até mesmo pelo filósofo
francês Alain Badiou, que reconhece haver universalismo, ou seja, igualdade real,
“presente neste ou naquele teorema de Arquimedes, em certas práticas políticas
dos gregos, em uma tragédia de Sófocles ou na intensidade amorosa de que os
poemas de Safo dão testemunho”, bem como em obras poéticas da Bíblia hebraica,
ele observa que é com o apóstolo Paulo que “há uma profunda cesura, ainda
ilegível, pelo acesso que temos a ela, no ensinamento de Jesus” [Badiou, 2009,
p. 125]. De acordo com Badiou, tal universalismo fica claro quando o apóstolo
diz: “Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre,
entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo” (Gálatas
3,28).
Tal ideia em relação
ao cristianismo nascente é compartilhada pelo também filósofo, e igualmente
ateu, esloveno Slavoj Žižek:
“É justamente para
enfatizar a suspensão da hierarquia social que Cristo (assim como Buda, antes
dele) se dirigia em particular àqueles que pertenciam às camadas mais baixas da
hierarquia social, os proscritos da ordem social (mendigos, prostitutas etc.)
como membros privilegiados e exemplares de sua nova comunidade. Essa nova
comunidade é construída explicitamente como coletivo de proscritos, o antípoda
de qualquer grupo “orgânico” estabelecido” [Žižek, 2015, p. 123].
A despeito desta
origem, a partir do quarto século, o cristianismo iniciou um processo de
substituição da experiência primordial pelo assentimento de um conjunto
particular de doutrinas que tomaram feições cada vez mais distintas das
basilares resumidas no Credo Apostólico que fora adotado definitivamente em 325
no Concílio de Niceia. Além disso, seus adeptos, que antes eram uma minoria,
viram sua religião tornar-se “oficial”:
“A Antiguidade tardia
é o período em que o Deus dos cristãos se torna o Deus único do Império romano.
Esse Deus é um Deus oriental que consegue se impor no Ocidente. Os primeiros
grupos de cristãos se desenvolveram um pouco à maneira de uma seita, que faz
conquistas e cujo número de membros cresce. E esses grupos foram favorecidos,
nos séculos II e III, pelo interesse cada vez maior em torno das divindades e
dos cultos salvadores; cultos de terapeutas, que cuidam simultaneamente das
doenças do corpo e da alma, e da existência humana. [...] É então que sobrevém
a decisão do imperador Constantino, depois do edito de Milão (313), e de não
apenas tolerar a nova religião mas até mesmo de recorrer ao Deus dos cristãos,
do qual se espera sua salvação e a do Império. Uma salvação que inicialmente é
uma salvação terrestre, política, mas que, dada a natureza da religião cristã,
logo se torna de natureza religiosa. Menos de um século mais tarde, em 392,
Teodósio faz do cristianismo a religião do Estado” [Le Goff, 2013, p.
18-19].
Uma vez estatizada,
ser “cristão” tornou-se um símbolo de status para a aristocracia, o patronato e
os mercadores e, simultaneamente, uma obrigatoriedade para as camadas pobres da
população. Na verdade, “a conversão dos chefes leva a conversão da população” e
uma vez que da “parte das antigas populações do Império romano, pessoas que não
são ainda senhores no sentido feudal, mas patrões no sentido romano, os donos
de grandes domínios densamente povoados, exerceram uma enorme influência” [Le
Goff, 2013, p. 22] e se tornaram cristãs, não é exagero presumir que muito do
adesismo à religião imperial se deu por conveniência e/ou constrangimento.
Contudo, tendo se aculturado e tomando feições que a diferençava cada vez mais
de sua proposta inicial, logo o cristianismo se tornou um instrumento que
também era utilizado para legitimar a forma como foi organizada a sociedade
feudal europeia. Apesar de estudos historiográficos da religião demonstrarem
que foi no Oriente que surgiu a primeira nação cristianizada do mundo antigo —
a Armênia [Françoise Thelamon in Corbin, 2009, p. 132] —, o fato de ter sido na
Europa que o cristianismo rapidamente saltou para outras partes do planeta, fez
com que as formas cristãs europeias, seja em sua expressão católico-romana seja
em suas expressões histórico-protestantes, se tornassem marcantes e definidoras
do estigma de o cristianismo ser uma “religião eurocêntrica”.
O
Pentecostalismo norte-americano
Pode parecer meros
oximoros falar em cristianismo como sinônimo de “religião europeia” e de
pentecostalismo como sinônimo de “movimento norte-americano”, contudo, à luz
dos dados atuais é mais correto se falar em cristianismos e pentecostalismos.
Isso porque desde o primeiro Grande Cisma, no século XI, que dividiu
definitivamente a Igreja em ocidental e oriental, e posteriormente a reforma
protestante no Ocidente, além de manifestações da espiritualidade “pentecostal”
que antecederam em muito a eclosão de Azusa em 1906, revelam que tais
expressões são necessárias e nem de longe podem ser tidas como oximoros. Acerca
do pentecostalismo, por exemplo, Neal Blough diz que o “leitor bem informado
reconhecerá nesse desenvolvimento as raízes de uma grande parte das tendências
protestantes hoje chamadas ‘evangélicas’”, mas, a despeito disso, e “de terem
um vínculo importante com os Estados Unidos, suas origens são europeias e
remontam pelo menos ao século XVII, se não à própria Reforma” [Corbin, 2009, p.
361]. Cabe igualmente aqui a “distinção” entre “origens” e “começos”:
“O cristianismo,
olhado em seu conjunto, configura essa dinâmica de adaptação de um mesmo
paradigma original. É uma origem permanente de muitos começos. A origem é a
fonte permanente de sentido para o grupo, de onde retira referências
fundamentais e fundantes para si. O começo é o início da agremiação do grupo
determinado no tempo e no espaço. As origens escritas do cristianismo favorecem
enormemente essa dinâmica de “começar de novo” sempre em nome da origem e,
portanto, sempre em nome da verdade e da salvação. Cada grupo vai afirmar-se
como o original, embora tenha um começo demarcado no tempo e no espaço e
carregue em suas interpretações e práticas as marcas explícitas ou implícitas
dessa demarcação” [Passos, 2005, p. 17].
Assim, ao se falar de
“cristianismo protestante de vertente evangélico-pentecostal”, aludi-se a um
tipo específico dentro da multiplicidade de expressões da religião cristã.
Contudo, ao se circunscrever o tema à América do Norte, tem-se um propósito de
revisitá-lo mostrando aspectos e facetas que podem não ter sido explorados. O
primeiro deles é reconhecer que, ao dizer que o cristianismo europeu, tanto em
sua expressão católico-romana quanto em suas expressões histórico-protestantes,
foi a forma que predominou em nosso continente americano, significa entender
que o processo de implantação da religião cristã seguiu o curso da história na
conquista e colonização dos povos ameríndios. Em termos diretos, o cristianismo
que veio para o continente americano cumpriu, ao lado da invasão, o papel de
legitimar o processo. O que se fez não aconteceu “apesar” do cristianismo, mas
em “nome dele”, pois já no “início da exploração inglesa do Novo Mundo, havia
um grande impulso para ganhar a população nativa para o cristianismo” e tal
processo de “evangelização dos nativos transformou-se em motivo poderoso para o
colonialismo, e cartas de direitos coloniais enfatizaram isso” [Tucker, 2010,
p. 86].
Pela língua falada nos
EUA é fácil concluir que mesmo tratando-se de Europa, não pode se pensar que
está se mencionando um único tipo de povo branco a aportar nas Américas. Por se
falar inglês, espanhol e português, conclui-se que diferentes povos europeus
colonizaram nosso continente. E apesar de todos serem “cristãos”, o
cristianismo norte-americano, culturalmente falando, é diferente do brasileiro.
Ainda que os primeiros missionários que chegaram à América do Norte fossem
católicos, Ruth Tucker diz o óbvio, ou seja, os “missionários de origem
europeia, quer católicos quer protestantes, descobriram imediatamente as
maiores diferenças culturais entre eles e os americanos nativos” [Tucker, 2010,
p. 83]. Tais “diferenças”, com raríssimas exceções, eram toleradas, mas regra
geral, os nativos eram “convertidos” por métodos violentos aos costumes, regras
e modos europeus de vida, incluindo, obviamente, a religião cristã.
É, porém,
significativo observar que o cristianismo praticado para se empreender a
invasão, conquista e colonização, faz com que o próprio Deus, nas palavras de
Tzvetan Todorov, seja “um ajudante e não um Senhor”, isto é, “um ser mais usado
que usufruído”, pois seu nome era utilizado para servir aos interesses dos
europeus: “Teoricamente, e como queria Colombo ([...]), objetivo da conquista é
expandir a religião cristã; na prática, o discurso religioso é um dos meios que
garantem o sucesso da conquista: fim e meios trocam de lugar” [Todorov, 2010,
p. 154]. Daí o porquê de o mesmo texto de São Paulo, e outros, anteriormente
visto como fundamental para romper com as diferenças, servir à legitimação e
perpetuação das injustiças:
“Esses textos indicam
claramente o sentido que deve ser dado ao igualitarismo dos primeiros cristãos:
o cristianismo não luta contra as desigualdades (o senhor continuará sendo
senhor, e o escravo, escravo, como se esta diferenciação fosse tão natural,
quanto a que existe entre homem e mulher); mas declara-as não pertinentes,
diante da unidade de todos no Cristo. Reencontraremos estes problemas nos
debates morais que virão após a conquista” [Todorov, 2010, p. 153-154].
Problemas que
perduraram muito, posto que quatrocentos anos depois, no início do século XX,
um jovem negro, filho de escravos libertos, observando as rígidas regras de
segregação norte-americanas e do preconceito do próprio professor, assistia do
lado de fora da sala, por uma fresta da porta, durante um curso bíblico de
curta duração em Houston, Texas, as aulas ministradas pelo diretor da Escola Bíblica
Bethel, em Topeka, Kansas, Charles Fox Parham (1873-1929), acerca do batismo no
Espírito Santo. Parham, um ex-metodista que por convicções pessoais decidira
anunciar uma nova dimensão da espiritualidade cristã, tivera uma experiência
cinco anos antes. Foi nos últimos dias de 1900, após ter ensinado por um
período de que o livro de Atos dos Apóstolos continha a evidência do batismo no
Espírito Santo, que Parham solicitou aos seus 34 alunos que procurassem por tal
evidência. Ao constatar que o texto de Atos 2, versículos 1 a 13, fala acerca
do assunto e convencidos de que tal experiência deveria ser vivida ainda na
atualidade, no primeiro dia de janeiro de 1901, Agnes Ozman, aluna de Parham,
pediu que ele impusesse as mãos sobre ela para que recebesse o batismo no
Espírito Santo. Conta-se que ela falou chinês por três dias consecutivos. A
este fenômeno dá-se o nome de “êxtase xenolálico” que consiste no fato de
alguém falar em um idioma desconhecido para si, mas conhecido por alguém que
ouve. Contudo, a forma mais comum deste fenômeno é o que se chama “êxtase
glossolálico”, isto é, falar em um idioma desconhecido por quem fala e também
por quem ouve, sendo então popularmente denominado de “línguas estranhas”. Pelo
fato de tal experiência ter se dado durante a festa judaica de Pentecostes,
conforme relata o texto de Atos dos Apóstolos, os cristãos que acreditam ou
experimentam tal fenômeno, passaram a ser chamados de “pentecostais”.
Apesar da importância
“teológica” de Charles Parham em estabelecer a conexão entre falar em línguas e
ser batizado no Espírito Santo (doutrina que posteriormente ficaria conhecida
como “evidência inicial”), o protagonismo histórico do Pentecostalismo é de
William Joseph Seymour (1870-1922), filho de escravos libertos que, conforme já
foi dito, conhecera sobre o assunto ao assistir, por um mês, em 1905, do lado
de fora da sala, as aulas de Parham ministradas em Houston. No ano seguinte
Seymour experimentou o êxtase glossolálico e passou a pregar acerca do assunto,
reunindo tanta gente que sua casa ficou pequena. Foi assim que o movimento
“chamado de ‘pentecostal’, popular e multirracial em suas origens”, diz Neal
Blough, “se difunde rapidamente no Sul dos Estados Unidos e em outras partes do
mundo [...] para se tornar hoje uma das famílias cristãs mais importantes”
[Corbin, 2009, p. 361].
O
inclusivismo da espiritualidade pentecostal
A luta por leis que
reconheçam a dignidade de cada ser humano contempla os direitos dos
marginalizados e desprotegidos. Todavia, um decreto não muda a consciência das
pessoas, mas as obriga coercitivamente a agirem de forma contrária ao que a
cultura estabeleceu como “normal”. Havendo, porém, algo que vem do próprio
povo, de forma espontânea e com caráter religioso, é certo que será capaz de
desfazer barreiras com muito mais eficácia. E foi justamente o que aconteceu,
através da espiritualidade pentecostal nos EUA, difundida a partir de um
movimento local liderado por um negro. Foi uma revolução que antecedeu a do
igualmente pastor e ativista social Martin Luther King Jr. A importância desse
acontecimento reside na verdade de que grande parte das “primeiras
manifestações do pentecostalismo vieram do cristianismo afro-americano e também
eram encontradas nos movimentos religiosos dos escravos”, além do fato de que
tais “expressões refletiam a cultura religiosa africana da qual os escravos
haviam sido sequestrados, e o próprio Seymour era profundamente afetado por
essa espiritualidade” [Anderson, 2019, p. 57].
Estamos falando de um
homem leigo, negro, em uma sociedade segregacionista, que prega uma mensagem
diferente numa cultura preconceituosa e discriminatória, tornando-se líder de
uma igreja que se forma em um antigo prédio usado como depósito na Rua Azusa
312, Los Angeles, onde nasceu a “Missão Evangélica da Fé Apostólica”. Como se
não bastasse o local ser simples, sujo e nada confortável, as reuniões durarem
12 horas por dia, sem a liturgia formal encontrada nas igrejas tradicionais, as
pessoas caírem em êxtase cantando em línguas, diz Anderson, a “integração
racial nesses encontros era singular na época e pessoas de minorias étnicas
descobriram ‘o senso de dignidade e de comunidade que lhes era negado na
cultura urbana em geral’” [Anderson, 2019, p. 54]. Este aspecto, para além da
questão religiosa, foi o grande “escândalo” para a sociedade americana da
época, tanto negra quanto branca, pois:
“Não só negros e
brancos se misturavam livremente na Rua Azusa, como também hispânicos e outras
minorias étnicas. A ideia de Seymour de Pentecostes rompendo as barreiras
humanas era significativamente diferente da de Parham, porque se baseava em sua
própria experiência. Ele não só incentivava as pessoas a permanecerem em suas
igrejas depois de terem recebido o batismo no Espírito, como via a experiência
pentecostal como aquela que dissolvia distinções de raça, classe e gênero e
criava uma única família comum” [Anderson, 2019, p. 74].
Este é, pois o caráter
inclusivista da espiritualidade pentecostal que, no início do século passado,
promoveu uma revolução não violenta e fez com que as diferenças estabelecidas
no cristianismo europeu e reproduzidas no contexto norte-americano, aos
cristãos protestantes de expressão evangélico-pentecostal, fossem desfeitas
tanto na religião como na realidade civil. A segregação não acabou por isso,
mas dentro do espaço religioso daquelas pessoas, as ideias e as crenças
moldavam as consciências igualando a todos e a todas.
Tal saber, como foi
dito, é necessário para que o ensino de História demonstre que, como defendia
Milton Santos, contrariamente “do que tanto se disse, a história universal não
acabou”, antes ela está apenas começando, pois com essa designação o “que havia
era uma história de lugares, regiões e países”, pois “as histórias podiam ser,
no máximo, continentais, em função dos impérios que se estabeleceram em uma
escala mais ampla” [Santos, 2002, p. 153-154]. Hoje estamos cientes que todos
fazemos parte desse fluxo contínuo e ininterrupto e saber-se como sujeito da
História que, dependendo do ponto de vista está sempre “começando”, faz toda a
diferença.
Referências
César Moisés Carvalho
é pedagogo licenciado pela UNESPAR/Fecilcam, pós-graduado em Teologia pela
PUC-Rio e pesquisador do Labep (Laboratório de Estudo dos Protestantismos da
UFRRJ).
ANDERSON, Allan
Heaton. Uma Introdução ao Pentecostalismo. Cristianismo carismático mundial.
São Paulo: Loyola, 2019.
BADIOU, Alain. São
Paulo. A fundação do universalismo. São Paulo: Boitempo, 2009.
CORBIN, Alain (Org.).
História do Cristianismo. Para compreender melhor nosso tempo. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2009.
ELIADE, Mircea.
História das Crenças e das Ideias Religiosas. Vol.I. Da Idade da Pedra aos
Mistérios de Elêusis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
FREIRE, Paulo.
Pedagogia da Autonomia. São Paulo; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
LE GOFF, Jacques. O
Deus da Idade Média. Conversas com Jean-Luc Pouthier. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2013.
OLIVEIRA, Marco Davi
de. A Religião mais Negra do Brasil. Por que mais de oito milhões de negros são
pentecostais. São Paulo: Mundo Cristão, 2004.
PASSOS, João Décio.
Pentecostais. Origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005.
SANTOS, Milton. O País
Distorcido. O Brasil, a Globalização e a Cidadania. São Paulo: Publifolha,
2002.
TODOROV, Tzvetan. A
Conquista da América. A questão do outro. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
TUCKER, Ruth A.
Missões até os Confins da Terra. Uma História Biográfica. São Paulo: Shedd
Publicações, 2010.
ŽIŽEK, Slavoj. O
Absoluto Frágil. Ou Por que vale a pena lutar pelo legado cristão? São Paulo: Boitempo,
2015.
Prezado César,
ResponderExcluirVejo seu texto com bons olhos, principalmente quando nos deparamos com uma tendência acadêmica de simplificação e de pensamento raso nas discussões que envolvem a atuação histórica dos pentecostais no país. Acredito que no momento, um estudo mais acurado dos diversos ramos do protestantismo brasileiro é um caminho fundamental para se entender melhor as opções sociais, políticas e culturais que temos tomado. Nesse sentido, entendendo que de fato o pentecostalismo pode ser encarado como uma proposta de inclusão dos segmentos mais vulneráveis da sociedade a fé, como explicamos que essa inclusão não se converta numa busca por inclusão integral na sociedade dos mais vulneráveis? Falando aqui de posicionamentos (inclusive institucionais) que caminhem nesse sentido.
Esse espaço de apontamento de uma espiritualidade pentecostal que visa promover a inclusão do individuo na sociedade, não deveria ser então mais aberto e buscado justamente nas igrejas que pertencem ao movimento? A história do movimento nos deixa claro que ele tem sim um potencial para ser apontado como um lugar de reflexão sobre possibilidades de uma atuação de fé mais engajada na sociedade, contribuindo positivamente para pautas sociais. Se assim é, por que então o debate parece não existir dentro das igrejas que pertencem a ele? E quando existente vai em direção contrária ao que aponta o texto?
Em tempo, acredito que essa comunicação tem possibilidade de ser ampliada para uma série de artigos em diversas direções, coisa que muito me interessa e alegra que você faça. Obrigado pelo espaço para o diálogo.
Paulo Otávio dos Santos Cunha.
Prezado Paulo Otávio,
ExcluirNão há dúvida que a experiência da espiritualidade pentecostal apresentada no texto evidencia a ruptura com os aspectos segregacionistas, à época, em plena vigência nos EUA. Mas isso não aconteceu como algo "consciente" e proposital, ou seja, vamos promover "isso" para romper com "aquilo". O movimento é justamente o contrário. Pelo fato de tal experiência se dar, da mesma forma, entre brancos e pretos, ricos e pobres, americanos, asiáticos e latinos, tais diferenças existentes na ampla sociedade como se fosse algo "natural" e até justificado teologicamente, rompeu-se.
Quanto ao fato de segmentos mais vulneráveis da sociedade serem alcançados, em termos de Brasil, essa é uma realidade incontestável. Foi entre as classes populares que o Pentecostalismo cresceu e se tornou o contingente que é. Isso pode ser explicado, em parte, pelo fato de tais camadas perceberem a facilidade de comunicação e entendimento da mensagem pregada nos círculos pentecostais, pois os oradores eram pessoas comuns e, geralmente, da mesma classe social da audiência.
Quanto a este ponto ser resgatado e "institucionalizado", aí já demanda outra discussão mais detalhada se, de fato, essa característica do movimento se extinguiu e, caso se comprove, questionar o porquê de tal ter se dado.
A respeito do engajamento social do movimento pentecostal, por incrível que pareça, ele existe. Porém, raramente se fala sobre. Pela visão de mundo do movimento, existe uma ênfase no aspecto transcendental, fazendo com que a questão social seja eclipsada. Em termos práticos, "o importante mesmo é que algo seja feito e não que se torne uma 'bandeira'", pensam eles. Um "detalhe" que piora muito a discussão consciente dessas questões, entre o movimento pentecostal, é o fato de que "justiça social" tornou-se, no imaginário popular (não apenas do Pentecostalismo, mas da sociedade brasileira), uma pauta, ou "bandeira", esquerdista. Devido a associação dos valores ideológicos, que também decorrem desta mesma pauta "esquerdista", serem contrários ao que o movimento acredita, acaba causando uma rejeição do movimento quanto a ostentar conscientemente o apoio à justiça social.
De fato os aspectos levantados no texto, e identificados pelas questões de sua importante reação, rendem uma série de outros textos para que possam ser discutidos.Certamente serão trabalhados em tempo oportuno.
César Moisés Carvalho
A união dos brancos e negros no auge das políticas de segregação, e a oportunidade de mulheres de fazerem parte da liderança na Rua Azusa, mesmo antes do direto feminino ao voto. É um avanço fantástico. Pena que a maioria das universidades, só se preocupam com datas históricas, "e não como a História” como “tempo de possibilidade. Parabéns pelo artigo!!!
ResponderExcluirPrezado Ronald Gustavo,
ResponderExcluirEssa é justamente a proposta: Demonstrar a importância de os historiadores instigar os alunos a conhecer aspectos religiosos, de grupos que são pouco considerados e estudados, mas cujas práticas trouxeram implicações sociais que alteraram, entre si (antes de qualquer mudança ou alteração legislativa), até mesmo práticas discriminatórias como essa dos EUA.
César Moisés Carvalho
Prezado César,
ResponderExcluirComo nos demais textos seus, achei um excelente texto com uma grande reflexão sobre a centralidade da experiência na teologia pentecostal. Embora extrapole e muito o que você propôs em seu texto, gostaria que você, se pudesse, fizesse uma exposição sobre o aspecto libertador da experiência com o Espírito Santo e os movimentos ditos “heréticos”, notadamente na idade média. Além disso, você poderia escrever também sobre a experiência com o Espírito Santo e os místicos.
Atenciosamente,
Clínio Amaral
Prezado Clínio Amaral,
ExcluirMinhas pesquisas conduzem para esse viés e caminho histórico tendo a experiência como "leitmotiv". Esse é o grande diferencial na prática religiosa e na espiritualidade pentecostal. Tal espiritualidade, não é em nada inédita e original, mas sempre foi uma realidade entre grupos minoritários ao longo dos mais de dois mil anos de história da religião cristã. Os místicos, como você acertadamente aponta, exemplificam perfeitamente o ponto. Todavia, a instituição sempre marginalizou e anatematizou esses grupos, já que eles afirmam ter uma experiência de Deus à parte de qualquer mediação institucional, ou seja, bastando-lhes apenas a fé.
César Moisés Carvalho
Caro César,
ResponderExcluirPrimeiramente, parabenizo-te pelo texto e pela reflexão proposta. Não há dúvida da importância do movimento pentecostal em questões que extrapolam o caráter estritamente religioso, como você demonstrou. Embora fuja um pouco da sua proposta inicial, gostaria de fazer uma pergunta que se volta ao tempo presente: como você vê, hoje, a crescente elitização de igrejas pentecostais que ficaram tradicionalmente conhecidas por serem congregações compostas, em maior parte, por pessoas negras e de baixa renda (um não está necessariamente ligado ao outro) e como essa identidade religiosa que fora construída através de luta e resistência é vista, hoje, por seu alinhamento ideológico, como algo subversivo e que tenta ser paulatinamente apagado da memória institucional?
Segundamente, se possível, gostaria de saber qual é a importância que o senhor dá para a teologia protestante na manutenção desse sistema que tanto fora criticado e combatido pelos pentecostais. Não é de se surpreender, se levarmos em consideração as convicções dos puritanos do século XVII sobre a natureza dos homens negros e o discurso com ênfase no puritanismo em organizações como a Ku Kux Klan. E como, também, esse passado maculado é bruscamente apagado da memória das denominações protestantes que veem nesses homens um tipo de espiritualidade e vida a serem imitadas. É uma questão um tanto paradoxal, sobretudo pelo fato de arrogarem em torno de si uma imagem de inauguradores da modernidade e porem, sobre a religiosidade pentecostal, um estigma de atraso ou de uma religiosidade que se assemelha a tudo, menos ao que seria o “verdadeiro cristianismo”.
Atenciosamente,
Marcos Ramos.
Prezado Marcos Ramos,
ExcluirSeu comentário caminha praticamente na mesma direção do primeiro, feito pelo Paulo Otávio dos Santos Cunha, e praticamente preciso respondê-lo assim como respondi a ele. É um processo longo de mudança e adaptação cultural do Pentecostalismo a uma forma de prática cristã alinhada a esta ou àquela sociedade. O Pentecostalismo não nasceu como revolução, mas como reação. Contudo, após ter reagido à letargia religiosa, acabou por, inconscientemente, promover uma revolução espiritual! Como tal acontecimento se dá entre as camadas mais populares da sociedade, tornando-se desprezível tanto por romper com a liturgia tradicional quanto por conta do perfil sociológico e demográfico dos que se sentiam atraídos pelo Pentecostalismo, têm-se a impressão que o Pentecostalismo priorizou as classes populares, mas não foi isso que aconteceu. Na frase já bem conhecida: "A Teologia da Libertação fez sua opção pelos pobres, porém estes optaram pelo Pentecostalismo". Portanto, a origem humilde não foi proposital, mas certamente "providencial", dirão os pentecostais.
Sobre a questão da mudança, em termos de Brasil, do perfil dos adeptos do Pentecostalismo pode estar atrelada a muitos fatores: Ascensão social de boa parte da sociedade; mudança de foco do público; mudança na mensagem anunciada; mudança arquitetônica; promessa de ascensão social com a "Teologia da Prosperidade" (guinada mais neopentecostal que influenciou o "Pentecostalismo Clássico a partir dos anos 90) e muitos outros aspectos que escapam da discussão aqui, mas que devem ser objetos de estudo.
César Moisés Carvalho
Olá, César!
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho que você trás. De fato, acho fundamental reposicionarmos a discussão que contemple a experiência religiosa não só como legítima entre os sujeitos, mas como emancipatória. Nesse sentido, por vezes, é no espaço religiosa, espaço da experiência religiosa que acontecimentos como os narrado por você ocorrem. No entanto, se tais experiências podem aproximar, também podemos observar que estas podem segregar, ser ponto de dissenso. Assim, gostaria que você, se possível, comentasse mais sobre qual espaço a experiência religiosa, bem como a própria religião e sua reflexões, como a teologia, poderiam/deveriam ter em nossa sociedade como um todo. Isto é, o ensino religioso, por exemplo, entre outras questões...
Cordialmente,
João Lisbôa
Prezado João Lisbôa
ResponderExcluirAinda hoje li um texto sobre "espiritualidade não religiosa", capítulo de um livro sobre a importância da espiritualidade no tratamento de pacientes oncológicos (escrita totalmente por especialistas e médicos sem nenhuma relação com cristianismo ou igreja). Há alguns anos, a caminho de uma viagem, adquiri a obra "Despertar", do combativo ateu, Sam Harris, cuja proposta está em seu subtítulo: "Um guia para a espiritualidade sem religião". Seja para bem ou para mal, não é mais possível fugir de uma discussão sobre espiritualidade. Evidentemente que assim como tal prática inspira, por outro lado, também provoca espécie e decepção, seja por excessos do lado religioso seja por preconceito do lado laico. O fato é que devido o protagonismo dos movimentos religiosos, entre eles, o Pentecostalismo, não é possível mais ignorar e abrir mão de estudar este grupo, pois trata-se de um gigantesco contingente que decide, inclusive, eleições municipais, estaduais e federais. Se não houver interesse em conhecê-los e dialogar com o grupo, mais o abismo comunicativo se expandirá aumentando o desconhecimento, o preconceito e o revanchismo do "nós contra eles".
Por tudo isso, motivos para estudar o Movimento Pentecostal não faltam.
César Moisés Carvalho