“HISTÓRIA PARA NINAR GENTE GRANDE”: HISTÓRIA, BIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA, PENSADOS A PARTIR DO ENREDO DA MANGUEIRA
“História para ninar
gente grande”, este foi o enredo idealizado pelo carnavalesco Leandro Vieira
para a Estação Primeira de Mangueira, uma das mais tradicionais agremiações do
carnaval carioca, em 2019. Segundo a apresentação do enredo disponível na
página oficial da agremiação, a proposta do carnavalesco era apresentar “O lado
"B" da narrativa construída pela história oficial” [MANGUEIRA] ou, em
outras palavras, contar “a história que a historia não conta” [DOMÊNICO et al].
Nas palavras do carnavalesco a proposta para o carnaval daquele ano era:
"[...] questionar
acontecimentos históricos cristalizados no imaginário coletivo e que, de alguma
forma, nos definem enquanto nação. Essas ideias de ‘descobrimento’
‘independência’ e ‘abolição’ postas em cheque ou questionadas para possibilitar
o entendimento do desprezo pela cultura nacional e as razões de uma sociedade
pacífica ou, porque não, passiva". [VIEIRA in MANGUEIRA]
A Mangueira
consagrou-se campeã do carnaval carioca de 2019. O Brasil pôde tomar contato
com muitos nomes dos quais nada ou muito pouco sabia: Dandara, Luiza Mahin,
Chico da Matilde, Luís Gama, entre tantos outros... Mas o que isso nos importa
para o ensino de história? Para tentar responder a essa questão, precisamos
antes pontuar sobre a importância da História, disciplina com H maiúsculo,
enquanto ferramenta de construção e consolidação de identidades nacionais e da
biografia enquanto recurso narrativo e pedagógico dentro destas construções.
Sobre este primeiro ponto, a autora Thais Fonseca afirma:
“A afirmação das
identidades nacionais e a legitimação dos poderes políticos fizeram com que a
história ocupasse posição central no conjunto de disciplinas escolares, pois
cabia-lhe apresentar às crianças e aos jovens o passado glorioso da nação e os
feitos dos grandes vultos da pátria. Esses eram os objetivos da historiografia
comprometida com o Estado e sua produção alcançava os bancos das escolas por
meio dos programas oficiais e dos livros didáticos, elaborados sob estreito
controle dos detentores do poder. Isso ocorreu na Europa e também na América,
onde os países recém-emancipados
necessitavam da construção de um passado comum e onde os grupos que encabeçaram
os processos de independência lutavam por sua legitimação”. [FONSECA, 2011, 24]
No que diz respeito ao
segundo ponto, o uso da biografia como recurso nessas construções narrativas,
podemos afirmar que durante o século XIX a escrita biográfica, em seus usos
políticos, teve seus sentidos ampliados, em particular no que diz respeito ao
seu uso, ao lado da história e da literatura, como contribuição para a fundação
de uma identidade nacional. No caso particular do Brasil, cuja identidade
nacional estava, em alguma medida, sendo formada após a constituição do Estado,
as biografias serviram aos projetos de construção da identidade e ganharam uso
pedagógico ao destacar e perpetuar na memória nacional a imagem daqueles que
deveriam ser reconhecidos como filhos ilustres da pátria.
Em 1839 no discurso de
fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB – o Cônego
Januário da Cunha Barbosa deixava clara sua posição diante da função, social e
histórica, da biografia. Ela deveria ser um recurso de pedagogia moral nos
esforços de construção da pátria. Nas palavras dele: “Na vida dos grandes
homens aprende-se a conhecer as applicações de honra, a apreciar a gloria e
affrontar os perigos, que muitas vezes são causa de maior gloria” [BARBOSA in
GUIMARÃES, 2010, 29]. Mais do que isso, a biografia mostrava-se para ele como o
complemento fundamental da história uma vez que esta seria “incompleta,
descorada e árida” se apenas se ocupasse dos fatos gerais e deixasse de lado os
homens, com o que sofreram, pensaram e viveram antes de nós [BARBOSA in
GUIMARÃES, 2010, 26].
As ponderações do
Cônego Januário mostravam assim que ao tomar para si a tarefa de escrever a
História do Brasil, os sócios do IHGB deveriam também preservar a memória dos
brasileiros, isto é, preservar a memória daqueles que deveriam ser lembrados
por suas contribuições à pátria e que, principalmente, deveriam servir de
estímulo e exemplo às futuras gerações, marcando assim a posição fundamental da
biografia para a construção da História e da Identidade Nacional. Mas quem eram
aqueles cujas memórias deveriam ser preservadas?
Marcia de Almeida
Gonçalves afirma que: “nas galerias de brasileiros e brasileiras distintos e
ilustres, elegeram-se os indivíduos cujas vidas em seus sentidos e realizações
deveriam confundir-se com os da própria nação” [GONÇALVES, 2009, 454],
possibilitando assim que se efetivassem as estratégias da “expansão para
dentro” através da criação de retratos em papel e letras daqueles que deveriam
ser louvados e servir de exemplos a outros diletos filhos da pátria.
Em 1894, Tristão de
Alencar Araripe, ao publicar na Revista do IHGB suas Indicações sobre a
História Nacional, reafirmava os pressupostos do Cônego Januário e a posição
fundamental da biografia como parte da história. Segundo ele:
“Será um dos deveres
do istoriador brazileiro aprezentar á veneração dos posteros a memória dos
varões beneméritos, que engradeceram esta pátria com proezas generozas,
invenções úteis, e obras excludentes” [ARARIPE in GUIMARÃES, 2010, 228].
Ele ponderava,
contudo, que era “erro fatal” dos biógrafos desde Plutarco, escolher seus
heróis apenas entre os grandes homens militares ou políticos, sem considerar os
feitos dos homens que contribuem para o engrandecimento de sua sociedade
escondidos em gabinetes de estudo ou laboratórios [ARARIPE in GUIMARÃES, 2010,
229]. Com isso Araripe sinalizava certa mudança no reconhecimento do valor
social da biografia: ela continuava sendo pedagógica e parte da história, era,
sobretudo, um meio eficaz de “salvar” os homens do esquecimento, mas ela
deveria cuidar de guardar e exaltar a memória de todos aqueles que de alguma
forma tivessem contribuído para o engrandecimento da pátria, não importando a
área de atuação.
Mas é importante
destacar que apesar da ressalva de Araripe, no exercício do que lembrar e do
que esquecer, ou melhor, de quem lembrar e de quem esquecer, os lembrados não
poderiam por em cheque a memória oficial que se construía e, portanto, não
poderiam ser “mensageiros” de contraversões da história que estava sendo
escrita para a nação. E é aí que entra o samba da Mangueira. Já no início de
sua sinopse o enredo é assim explicado pelo carnavalesco Leandro Vieira:
“HISTÓRIA PRA NINAR
GENTE GRANDE é um olhar possível para a história do Brasil. Uma narrativa
baseada nas ‘páginas ausentes’. Se a história oficial é uma sucessão de versões
dos fatos, o enredo que proponho é uma ‘outra versão’”. [VIEIRA]
Mais adiante ele
continua:
“De forma geral, a
predominância das versões históricas mais bem-sucedidas está associada à
consagração de versões elitizadas, no geral, escrita pelos detentores do
prestígio econômico, político, militar e educacional - valendo lembrar que o
domínio da escrita durante período considerável foi quase que uma exclusividade
das elites – e, por consequência natural, é esta a versão que determina no
imaginário nacional a memória coletiva dos fatos. Não à toa o termo
‘DESCOBRIMENTO’ ainda é recorrente quando, na verdade, a chegada de Cabral às
terras brasileiras representou o início de uma ‘CONQUISTA’”. [VIEIRA]
Voltando aos debates
sobre constituição da história enquanto disciplina escolar, Thais Fonseca
aponta que:
“É somente a partir
daí [do século XIX] que a História como disciplina escolar se constituiu, fortemente
marcada por uma perspectiva nacionalista, servindo aos interesses políticos do
Estado, mas carregando também elementos culturais essenciais que, incorporados,
garantiam a consolidação dos laços entre parcelas significativas das
populações, no processo de construção das identidades nacionais coletivas”
[FONSECA, 2011, 25].
Num contexto de
formação de identidade nacional era preciso que se criassem meios de
identificação do povo com a nação que se formava e que se desse a esse povo
“exemplos” a seguir. Nesse sentido as biografias exerceram o papel pedagógico
de fornecer esses exemplos. Assim, como aponta Maria da Glória de Oliveira, no
século XIX, as biografias pertenciam ao projeto historiográfico do Império do
Brasil, onde nem a biografia nem a história se configuravam como gêneros puros
ou inalteráveis, mas sim como “formas discursivas historicamente condicionadas
por diferentes práticas e tradições letradas” [OLIVEIRA, 2009, 25-26]. Elas
eram parte do esforço dos letrados brasileiros em associar, através dos textos,
os usos do passado às finalidades políticas do presente, servindo como modelo
de conduta e estimulo à imitação [OLIVEIRA, 2009, 56], num momento em que era
preciso que os brasileiros se identificassem como tal.
Isso nos permite entender
o porquê alguns nomes foram silenciados em detrimento de outros, afinal, a um
projeto político centralizador como tem sido o nosso desde a nossa constituição
como Império do Brasil até os dias de hoje, interessa mais exaltar a figura
“redentora” da Princesa Isabel, a herdeira da coroa que “benevolamente”
libertou os negros da escravidão ou destacar a luta abolicionista de Chico da
Matilde [também conhecido como Dragão do Mar]? O nosso parco conhecimento sobre
este último já nos oferece a resposta a essa questão.
Para tirar das sombras
estas figuras importantes, mas menos conhecidas, o samba da Estação Primeira
convidava:
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a
história não conta
O avesso do mesmo
lugar
Na luta é que a gente
se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro
apagou
Desde 1500 tem mais
invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto
pisado
Atrás do herói
emoldurado
Mulheres, tamoios,
mulatos
Eu quero um país que
não está no retrato
Brasil, o teu nome é
Dandara
E a tua cara é de
cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um
dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de
julho
Quem foi de aço nos
anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias,
Mahins, Marielles, malês
[DOMÊNICO et al]
A discussão que o
enredo idealizado por Leandro Vieira trás, sobre quem são as nossas figuras
ilustres e porque uns e não outros figuram nas páginas dos livros didáticos não
é nova nem tão pouco inédita. O próprio carnavalesco afirmou que seu enredo foi
construído consultando o trabalho de historiadores, em seus livros e teses. Mas
porque então o “Brasil que não está no retrato” surpreendeu e impactou tanta
gente? Porque nossas pesquisas – do nosso meio acadêmico, tendem a demorar a
atingir ao grande público ou o público não acadêmico, por assim dizer. Porque
nossos livros didáticos demoram a incorporar os avanços das pesquisas
acadêmicas e com isso acabam ajudando a reproduzir as narrativas oficiais que
por tanto tempo marcam a nossa história. E porque as iniciativas dos coletivos
e movimentos sociais que tentam resgatar o protagonismo destes nomes menos
conhecidos ainda ficam sendo desacreditados pelo “senso comum”. Ao que parece,
a proposta do carnavalesco da Mangueira não é a de que se apaguem dos livros de
história os nomes da Princesa Isabel, de D. Pedro I ou de Pedro Álvares Cabral,
mas que se insiram ao lado destes, o de Francisco José do Nascimento [Chico da
Matilde ou Dragão do mar], o de Luiza Mahin, de Maria Filipa e de tantos
outros.
Essa construção
narrativa que só deu espaço nos livros aos “grandes homens”, isto é, às figuras
que bem representavam a imagem que se queria construir – marcadamente branca,
de origem européia, minimizando conflitos e exaltando uma falsa ideia de
miscigenação pacífica – e que foi iniciada no século XIX, como vimos, se
perpetuou pelo XX, pela República que se instaurou, e se mudaram os atores do
projeto político, os planos permaneceram muito parecidos. Nesse sentido, é
interessante apontar que os projetos políticos centralizadores também tendiam a
uniformizar os conteúdos que deveriam ser ensinados em todo o país, o que se
por um lado era feito sob o argumento de padronização e uniformização da
educação, por outro limitava as possibilidades de lançar luz sobre nomes que
poderiam ter destaques para determinadas regiões, como seria o caso do Dragão
do Mar para o Ceará ou do Almirante Negro, para o Rio de Janeiro. Thais Fonseca
nos lembra que:
“A Reforma Francisco
Campos, de 1931, promoveu a centralização no recém-criado Ministério da
Educação e Saúde Pública e definiu programas e instruções sobre métodos de
ensino. Isso retirava das escolas a autonomia para a elaboração dos programas,
que passavam a ser competência exclusiva do Ministério. Essa centralização
significava, na prática, a unificação de conteúdos e de metodologias, em
detrimento de interesses regionais” [FONSECA, 2011, 52].
Já no início da década
de 1970, com o regime militar e a instituição das disciplinas de Educação Moral
e Cívica e Organização Social e Política Brasileira, as orientações para que se
exaltassem os grandes vultos permaneceu ainda mais clara. Segundo a Doutrina de
Segurança Nacional do período, as finalidades dos conteúdos destas disciplinas
orientavam para: “o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições
e aos grandes vultos de sua história” [DECRETO-LEI N. 68.065 apud FONSECA,
2011, 57].
Não sem lutas,
disputas e debates, podemos dizer que tivemos melhoras nesse campo com as mais
recentes leis educacionais, que a partir de 1988 e da promulgação da nossa nova
Constituição, chamada de Constituição Cidadã, e embaladas pelos bons ares da
redemocratização do país buscaram tornar mais democrático também o ensino. As
ainda mais recentes leis que estabeleceram a obrigatoriedade do ensino das
histórias e culturas negras e indígenas foram um passo ainda maior no sentido
de ampliar o conhecimento e a divulgação sobre as páginas esquecidas da nossa
história. Mas uma ou duas leis não resolvem o problema, ou dito de outro modo,
não mudam tão facilmente uma história tão cristalizada e enraizada. Muitas
vezes as culturas negra e indígena só são lembradas pontualmente e mesmo assim
de forma alegórica e folclorizada. E nas
páginas dos livros, continuam as mesmas figuras de sempre. Cabe a nós estimular
a mudança. Apresentar ao mundo estas vozes potentes que foram silenciadas. E
como diria a deputada Marielle Franco, brutalmente assassinada num crime ainda
sem respostas, fazer dessas vozes sementes, para outros brotem e lutem por
liberdade, igualdade, justiça. Afinal, como diz a letra do samba, “Brasil,
chegou a vez, De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês” [DOMÊNICO et al].
Referências
Andréa Camila de Faria
Fernandes é Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista FAPERJ nota 10. E-mail:
andreacamilaff@gmail.com
ARARIPE, Tristão de
Alencar. “Indicações sobre a história nacional”. In: GUIMARÃES, Manuel Salgado.
Livro de Fontes da Historiografia Brasileira. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
BARBOSA, Januário da
Cunha. “Discurso no ato de estatuir-se o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro”. In: GUIMARÃES, Manuel Salgado. Livro de Fontes da Historiografia
Brasileira. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
DOMÊNICO, D; MIRANDA,
T; MAMA; BOLA, M.; OLIVEIRA, R; FIRMINO, D. História para ninar gente grande:
samba enredo. In: G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira. Disponível em:
<http://www.mangueira.com.br/sambaenredo>.
Acesso em: 16 abr. 2020.
FONSECA, Thais Nívia
de Lima e. História & ensino de História. 3ª. Ed. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2011.
GONÇALVES, Marcia de
Almeida. Em terreno movediço: biografia e história na obra de Otávio Tarquínio
de Sousa. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.
MANGUEIRA divulga seu
enredo para 2019. In: G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira. Disponível em:
<http://www.mangueira.com.br/noticia-detalhada/993>.
Acesso em: 16 abr.
2020.
MATTOS, Illmar R.
“Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade
política”. In: Almanack Braziliense. Disponível em:
<http://www.almanack.usp.br/neste_numero/n01/index.asp?tipo=forum&edicao=1&conteudo=1>.
Acesso em: 10 out. 2008.
OLIVEIRA, Maria da
Glória de. Escrever vidas, narrar a história: a biografia como problema
historiográfico no Brasil oitocentista. Tese [Doutorado] – Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, 2009.
VIEIRA, Leandro.
História para ninar gente grande: sinopse do enredo. In: G.R.E.S. Estação
Primeira de Mangueira. Disponível em:
<http://www.mangueira.com.br/noticia-detalhada/993>.
Acesso em: 16 abr. 2020.
Excelente reflexão, parabéns pelo trabalho!Você acredita que iniciativas como essa, de destacar essas figuras, pode vir a impactar também os livros didáticos e o ensino de História em espaços formais?
ResponderExcluirAss: Isabele Fogaça de Almeida
Muito obrigada Isabele! Acredito que sim, e acredito também que as mudanças já estão em curso. O impacto disso nos livros didáticos é, infelizmente, um pouco mais lento, mas no que diz respeito ao ensino em espaços formais, e a sala de aula da educação básica é um ótimo exemplo disso, já notamos iniciativas de muitos professores em mudar essa realidade. Recentemente li uma matéria sobre uma professora de Porto Alegre que criou um jogo de cartas com personagens ícones da luta negra e que infelizmente são ainda pouco conhecidos como Tereza de Benguela, Dandara e Zumbi, de forma a ensinar mais sobre a história desses personagens para seus alunos. Imagina quantas outras iniciativas como estas não devem existir espalhadas pelas salas de aula desse Brasil? Talvez falte visibilidade a estes projetos, apoio, mas não acho que a nossa falta de conhecimento seja apenas falta de iniciativas.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes
Agradeço e parabenizo a aparição e apreciação de tal tema em grande encontro como este e gostaria de saber se acreditam que um antídoto contra tanto ocultamento seria tangenciar ou romper com a eugenia epistemológica, inclusive e principalmente, desde o ensino fundamental?
ResponderExcluirAss: Rodrigo da Conceição Reis Telles
Muito obrigada Rodrigo! Não tenho dúvidas de que a educação é a melhor arma que temos para romper com padrões que ocultam ou colocam às margens outras versões da nossa história e que a reformulação deve começar pelo ensino fundamental, até porque em geral é nessa fase que mais se desenvolve o o senso de pertencimento do aluno com sua comunidade, e estou usando o termo comunidade aqui em sentido ampliado.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes
Oi, Andréa!
ResponderExcluirGostei do seu texto e penso que essa discussão é uma necessidade, sobretudo nesse contexto de tantos negacionismos. Tenho uma indicação de leitura e uma pergunta. A indicação é Walter Benjamin, que fala sobre a história com H maiúsculo ser justamente essa que silencia tantas outras histórias, que comumente aparecem nos livros como notas de rodapé e apêndices. Por isso ele defende o que chama de história a contrapelo. Quanto à pergunta, diante da infinidade de histórias com h minúsculo que temos, mas desconhecemos, nesse país, na sua opinião, nossos currículos escolares, sabidamente euro e etnocêntricos, não carecem de uma reflexão séria e uma reformulação responsável, na linha de um "nós por nós" que, para mim, claramente nos falta?
Forte abraço!
Caroline Trapp de Queiroz.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirMuito obrigada Caroline! Concordo plenamente com você! A reformulação dos nossos currículos é urgente, em todos os níveis. O estabelecimento da obrigatoriedade do ensino e culturas negra e indígena, não só não resolveram o problema da defasagem histórica que tínhamos e temos nesse sentido como nos mostrou um outro, que é o fato de que nossos professores, e eu me incluo nesse grupo, não estão preparados para essa "missão" porque também não receberam a formação necessária para isso. Nossa formação é, como você mesma disse, euro e etnocêntrica em todas as suas fases, portanto é preciso que se reformule o currículo de todas as fases. Não dá para exigir apenas do professor que está na linha de frente, no ensino básico, até porque este provavelmente é quem mais sofre com as reformulações curriculares e cobranças que chegam sem que ele tenha sido devidamente preparado para atender à suas necessidades. Como exigir constante atualização do professor com turmas com 30-40 alunos, em 3-4 escolas diferentes? Múltiplas turmas, de múltiplas séries. É claro que devemos nos atualizar, mas a estrutura toda precisa ser revista, o ensino todo. Não é que não seja importante aprender sobre os gregos da antiguidade, mas porque não estamos aprendendo também sobre os diversos povos indígenas e africanos e suas culturas e civilizações? É sobre isso que devemos refletir e questionar.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes
Perfeito, Andréa! Eu fico sempre pensando nisso quando faço a correlação, em sala de aula, da Idade Média com o que conhecemos (ou melhor, desconhecemos) da América, e especificamente do que viria a ser o Brasil, nesse mesmo período histórico. Enfim, muito a avançar, né?! Obrigada pela sua resposta! Abçs
ExcluirPois é Caroline, não o caso de deixar de estudar a Idade Media mas de pensar e mostrar aos alunos que o continente americano e o que veio a ser chamado de Brasil também existia naquele período, também tinha seus povos, civilizações e culturas.
ExcluirA narrativa que você elaborou, por um lado, tece uma trajetória da Historiografia brasileira preocupada com nuances heroicas da História do Brasil; por outro, apresenta problematizações significativas para a construção de um saber histórico a contrapelo à visão oficial da História. Destaque para a distância existente sobre a "Nova História" do Brasil, produzida nas academias e o público leitor das escolas de ensino Fundamental e Médio - um problema permanente, inclusive. Dito isto, eu formulo minha pergunta: O sentido de história proposto pelos compositores da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira apresentam um conteúdo avesso à história Oficial do Brasil, também pelo fato da referida Escola ter uma significativa relação com alguns intelectuais orgânicos ditos de esquerda e, por extensão, se destacar, dentre outras agremiações, por sua luta política - rumo à busca da justiça histórica (só para lembrar das acepções de Walter Benjamin)? Seu Texto é ótimo. Parabéns.
ResponderExcluirArcângelo da Silva Ferreira.
Muito obrigada Arcângelo! Acredito sim que a produção deste samba tenha a ver com engajamentos anteriores tanto da Mangueira quanto do Leandro Vieira, o carnavalesco idealizador do enredo. Mas vejo também um reflexo de lutas e debates muito atuais em nossa sociedade e que foram ecoados por este samba. Infelizmente vivemos tempos de negacionismos, em que se nega a ditadura, os horrores e consequências da escravidão e nosso racismo estrutural. Esse samba vem pra lembrar e questionar isso. E ao mesmo tempo questionar os heróis da história oficial, lembrando os que forma silenciados. É claro que o resgate dessas figuras pelo carnavalesco e pelos autores do samba é possível porque há pesquisas e estudos sobre os "esquecidos". Daí a preocupação em dizer que é um questionamento da história dita oficial, mas não da história.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes
Obrigado pelo retorno, Andréa. Sucesso em tuas pesquisas. abraço fraterno.
ExcluirArcângelo.
Muito obrigada Arcangêlo!
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ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito boa reflexão, além de toda importância dessa desconstrução que a música da mangueira traz, foi bem simbólico ano de apresentação desse enredo no carnaval 2019, um período onde a história vem sendo questionada a cada momento, com isso como você ver essa música como fonte de utilização em sala de aula, como compreendimento que a história tem suas outras visões, fora da oficial, como a história dos silenciados?
ResponderExcluir- Layane de Lima do Amaral Gonçalves
Muito obrigada Layane! Exatamente, penso que o samba da Mangueira pode ser usado para levantar diversas questões em sala de aula. Indagar aos alunos sobre o que eles conhecem sobre os personagens citados e a partir daí refletir sobre os silenciamentos da nossa história e sobre as outras versões dos fatos históricos por exemplo. Nesse sentido penso que o uso das imagens do desfile, hoje facilmente encontradas nos meios digitais, podem ajudar a criar diálogos bastante frutíferos com os alunos.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes
Olá, Andréia. Acho que o seu texto traz uma questão sensível à reflexão a partir de um discurso atual, o que é realmente importante. Levando em conta que a biografia é um dos recursos que tanto a "História oficial" quanto o samba enredo utilizam, te faço a seguinte pergunta: Sabemos que a biografia é um tipo de narrativa que foi muito problematizada em vários dos seus pressupostos, então como vê a possibilidade de utilização dela em sala de aula? Como ela funcionaria sem ser simplesmente reprodução, tão somente apresentando o "outro lado", da mesma "ilusão biográfica" que temos nos discursos das "grandes" figuras?
ResponderExcluirLeandro Mendanha e Silva
Muito obrigada Leandro! Penso que a biografia é um instrumento interessante para permitir criar nos alunos um certo sentido de identificação e pertencimento. Quero com isso dizer, por exemplo, que trazer para a sala de aula a história de homens e mulheres negros que tiveram protagonismo na nossa história, como Chico da Matilde ou Luiza Mahin, podem ajudar não só a despertar nos jovens o interesse pela disciplina, mas também a se entenderem como agentes sociais e históricos, protagonistas de sua própria história, afinal, representatividade importa. Quanto aos riscos da ilusão biográfica" entendo que quando Bourdier apontou para isso ele estava chamando atenção para o "perigo" das narrativas que tentam enxergar a vida de um indivíduo como um percurso contínuo e coerente, onde o final (ou o grande feito daque personagem) já estaria previsto desde o seu nascimento, ou dito de outro modo, onde todas as ações do indivíduo biografado servem para justificar seu grande feito. Sem dúvida que muitas biografias caíram e caem nessa ilusão, especialmente aquelas laudatórias, mas entendo que isso não desabona o gênero, que inclusive tem se mostrado como uma abordagem bastante frutífera para os estudos históricos, especialmente em áreas como a História intelectual.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes
Concordo com sua resposta. Mesmo porque tem uma questão aí de identificação e representação. Eu mesmo trabalho em uma intersecção pensamento e trajetória. Só queria mesmo chamar a atenção para que cabe sempre a nós, como professores, ao mesmo tempo que apresentarmos a história a contrapelo colocar para os alunos a complexidade que envolve contar a história de uma vida.
ExcluirConcordo Leandro, precisamos estar atentos à apresentar as complexidades, não apenas das histórias de vida mas também dos processos históricos de maneira geral.
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ResponderExcluirExcelente reflexão, Andréa! Conforme exposto, a escrita da história do século XIX privilegiou a biografia destes grandes homens, orientação que adentrou o nosso século XX. Tal visão ainda está presente em livros didáticos, que contemplam ainda a narrativa de pessoas ilustres. Ao trazer o samba da Mangueira para o centro de sua análise, gostaria de perguntar, como podemos trabalhar em sala de aula a partir desses indivíduos que foram silenciados por essa história dita oficial?
Muito obrigada Giselle! Penso que o samba da Mangueira pode ser usado como um ponto de partida para trazer esses personagens menos trabalhados para dentro das salas de aula, indagando aos alunos o que sabem sobre eles ou sobre os fatos históricos nos quais estiveram envolvidos, por exemplo, para a partir do levantamento dos conhecimentos, ou desconhecimentos, aprofundarmos as questões. Trazer as imagens do desfile também pode permitir um trabalho bastante interessante.
ExcluirAss: Andréa Camila de Faria Fernandes