Jonatan Rafael de Souza Mello


NIETZSCHE E BRAUDEL: REFLEXÕES SOBRE A LONGA DURAÇÃO




O presente texto tem o objetivo de intercalar o conceito de “longa duração”, expresso pelo historiador francês Fernand Braudel no final da década de 1950, com reflexões do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. O conciso estudo visa interpretar as estruturas do pensamento judaico-cristão dissecados por Nietzsche ao longo de suas obras, sob a ótica do conceito de “longa duração” de Braudel. Vale ressaltar que algumas palavras entre aspas, isto é, palavras que expressam severas parcialidades e conotações pejorativas, são expressões do próprio Friedrich Nietzsche, e são empregadas aqui apenas para melhor compreensão de suas ideias.

A Longa Duração
O texto ‘Histoire et Sciences Sociales: la longue durrée’, publicado em 1958 pela revista Annales, até hoje pode ser considerado em um texto clássico da historiografia do século XX. No estudo em questão, o autor problematiza a temporalidade nas disciplinas das ciências sociais, em especial a história, defendendo a história e a importância do tempo histórico para as ciências sociais, fazendo uma apologia dos estudos de longa duração, e como estes distinguem e valorizam o conhecimento historiográfico frente aos demais.

Para Braudel, todo historiador define de forma relativamente arbitraria, os limites cronológicos de suas pesquisas. Porém, a história tradicionalmente atentou-se, segundo o autor, aos tempos breves, aos acontecimentos e indivíduos, favorecendo assim narrações precipitadas, dramáticas e de folego acanhado. [BRAUDEL, 1990, p. 09].

Ainda discutindo vertentes da historiografia, Braudel destaca um modelo historiográfico de folego ainda mais minguado: a história dos acontecimentos. Os acontecimentos são, na visão do autor, estrondos que repentinamente ecoam num modesto espaço de tempo, e depois pouco ouve-se dele. [BRAUDEL, 1990, p. 10]. Braudel sustenta que o tempo curto na historiografia possui sua relevância, é o tempo dos cronistas, jornalistas, - são rápidas tomadas de consciência em meio a infinitos acontecimentos da vida cotidiana. [BRAUDEL, 1990, p. 10-11]. Contudo, para o autor, as ciências sociais possuem um certo receio do tempo curto, pois é o mais ludibrioso das temporalidades, e mesmo assim, até 1958 [data de publicação do texto], Braudel diz que o apego ao tempo curto, a analises pautadas nos acontecimentos, as formas similares aos séculos XVIII e parte do XIX de escrever história, ainda vigorava entre a maioria dos historiadores.  [BRAUDEL, 1990, p. 11-12].

Explanando sobre ciclos e interciclos, Braudel também chama atenção para as estruturas, pois geralmente nesta reside a longa duração. Explica Braudel sobre as estruturas:

“Os observadores do social entendem por estrutura uma organização, uma coerência, relações suficientemente fixas entre realidades e massas sociais. Para nós, historiadores, uma estrutura é, indubitavelmente, um agrupamento, uma arquitetura; mais ainda, uma realidade que o tempo demora imenso a desgastar e a transportar. Certas estruturas são dotadas de uma vida tão longa que se convertem em elementos estáveis de uma infinidade de gerações: obstruem a história, entorpecem-na e, portanto, determinam o seu decorrer. Outras, pelo contrário, desintegram-se mais rapidamente. Mas todas elas constituem ao mesmo tempo, apoios e obstáculos, apresentam-se como limites [envolventes, no sentido matemático] dos quais o homem e as suas experiências não se podem emancipar. Pense-se na dificuldade em romper certos marcos geográficos, certas realidades biológicas, certos limites da produtividade e até reações espirituais: também os enquadramentos mentais representam prisões, de longa duração” [BRAUDEL, 1990, p. 14].

Para Braudel, a história econômica havia atingido êxitos inegáveis no que tange a longa duração. Para ilustrar estruturas de longa duração, o autor cita o capitalismo colonial entre o século XIV e XVIII [1750 para ser mais específico]. Neste período, é possível constatar relações que distinguem este período de outros, como o comércio de longas distâncias, repetidos fluxos de crises agrícolas, a primazia dos mercadores, o destaque e a importância de metais preciosos e etc.  [BRAUDEL, 1990, p. 16-17].

Na visão de Braudel, os historiadores devem saber distinguir estruturas e tempos de longa duração, dos eventos breves, “considerados estes últimos nas suas fontes imediatas e aqueles na sua projeção de um tempo longínquo” [BRAUDEL, 1990, p. 18]. Usando as reflexões do filósofo germânico Friedrich Nietzsche, citaremos exemplos de estruturas de pensamento com ambientes cronológicos colossais [aquilo que Braudel chama de estruturas de Longa Duração], abordando, desde o período platônico, perpassando por milênios de cristianismo, até correntes moralistas e ideológicas do século XIX.

Nietzsche e o pensamento milenar
Friedrich Nietzsche gaba-se em suas obras de ter encontrado as estruturas do pensamento judaico-cristão existente por milênios, sendo assim, partindo das explicações de Braudel, exemplos de estruturas de longa duração.

Em seu livro O nascimento da Tragédia, Nietzsche explica a dualidade que compunha a mentalidade artística dos gregos pré-socráticos, os impulsos apolíneos e dionisíacos. Para Nietzsche os gregos pré-socráticos dividiam-se entre estas duas percepções, o apolíneo que representa o sonho, e o dionisíaco representa a embriagues. [NIETZSCHE, 1992, p. 27-28].

O apolíneo expressa as sublimes imaginações, os sonhos mais altivos e majestosos, que produzem a arte representativa para contrapor uma existência truculenta e avassaladora. Para o filósofo alemão, a percepção apolínea evidencia a consciência de uma realidade indomável e brutal. Diferente da apolínea, a percepção dionisíaca expressava a potência extrema, onde no coro e nas orgias, os gregos tomados por uma sensação imperiosa, a sensação dionisíaca, transformam o homem em própria obra de arte. O dionisíaco não representa o sonho que alivia a atroz realidade, o dionisíaco é a arte em si, a potência de viver pungente e soberana, fazendo de seu receptor a própria obra de arte. O dionisíaco, diferente do apolíneo, não representa a arte mais sublime: ele é. Para Nietzsche, de forma resumida, a percepção estética dos gregos antes de Sócrates dividia-se nesta dicotomia. [NIETZSCHE, 1992].

Ainda no mesmo estudo, Nietzsche ataca Sócrates, mas foca suas críticas em Platão, dizendo que estes evidenciam a decadência grega, pois passam a desprezar a dualidade existente em prol da moralização artística, exigindo que a arte devesse expressar algo de verdadeiro, de uma filosofia verdadeira. [NIETZSCHE, 1992, p. 88-89].

Para o filósofo germânico, Sócrates e Platão viveram num período de crise da sociedade grega clássica, onde o caos, a angústia encontrava-se em abundância entre os gregos, - Sócrates apresentou-se como um antidoto para uma sociedade moribunda. A dialética socrática, a crença numa verdade e a esperança que desta deriva a boa vida, a vida feliz, para Nietzsche é uma expressão de fraqueza e decadência do helenismo acima mencionado. [NIETZSCHE, 2008, p. 32-34].

Nietzsche crítica com veemência Platão, diz que este último expressa a fraqueza de quem não consegue viver no desesperador mundo real, depreciando-o em prol de uma idealização de mundo, de verdade. Diz Nietzsche na obra Crepúsculo dos Ídolos:

“Finalmente, minha desconfiança em relação a Platão robustece-se cada vez mais: parece-me que ele se desviou de todos os instintos fundamentais dos gregos; acho-o tão impregnado de moral, tão cristão antes do cristianismo – já apresentou a idéia do “bem” como idéia superior -  que me sinto tentado a empregar, com relação a todo o fenômeno Platão, antes de qualquer outro qualificativo, aquela de ‘alta mistificação’ ou, melhor ainda, de idealismo” [NIETZSCHE, 2008, p. 119].

Tais concepções de mundo mencionadas acima, o ideal de mundo, de verdade, de moral, sobreviveu e sobrevive por conta da Igreja Católica, do cristianismo, “na edificação, no sistema, nas práticas da Igreja” [NIETZSCHE, 2008, p. 119], - Nietzsche chega a dizer em sua obra O anticristo, que o cristianismo é a filosofia platônica popularizada, o devaneio filosófico que empanturra as massas. [NIETZSCHE, 2003].

Onde está a longa, ou a longuíssima duração outrora mencionada? Bom, em pleno século XIX, Nietzsche acusa todo o pensamento científico do seu tempo que propusesse uma verdade absoluta, um bem almejado, o apego ao mundo ideal em detrimento do mundo real, entre outros, como sendo fruto de uma herança cristã, - estruturas de pensamento com raízes que emanam das entranhas dos pensamentos platônicos e cristãos. Diz o autor atacando cientificistas de seu tempo que: “A ciência pela ciência’ é última cilada que nos arma a moral – e é precisamente essa que envolve a todos inextrincavelmente em sua rede”. [NIETZSCHE, 2002, p. 87]. O racionalismo positivista, os “devaneios” socialistas, comunistas, o “delírio” anarquista, entre outros, para Nietzsche, não passa de ideologias de “rebanho” que dão ao pensamento moralista cristão uma máscara nova, cientifica, social e política. [NIETZSCHE, 2008].

Na obra Além do bem e do mal, o filósofo germânico critica a moral europeia, dizendo que ela ainda está submetida a ideias de bem e mal, uma moral humanizada, de “rebanho”. Para o germânico, a moral que advém das vísceras europeias prolifera-se até mesmo pelas instituições políticas e sociais, não abrindo assim, espaço para uma moral fisiológica, sendo esta última na percepção de Nietzsche, uma moral superior. Diz o filósofo:

“Porém acontece que esta moral se defende obstinadamente, chegando sempre a mesma conclusão analítica: ‘a única moral seu eu e não há outra moral além de mim!’ Assim, por imperativo e ajuda de uma religião que se mostrou complacente com os desejos do rebanho, chegando a encontrar a moral até nas instituições políticas e sociais; de tal modo que cada vez é mais evidente que para moral o movimento democrático é herdeiro do movimento cristão. Eis aqui a extravagância da piedade para com Deus. E assim, todos de acordo em seus desassossegos a respeito da piedade universal e sua fé no rebanho coletivo, isto é, neles mesmos” [NIETZSCHE, 2002, p.125].

A democracia pregada na Europa do final do século XIX, para Nietzsche, é uma expressão de fraqueza que tenta nivelar os homens por meio de uma moral de “rebanho”. Além da democracia liberal vigorosamente atacada pelo filósofo alemão, o autor também ataca os socialistas, chamando-os no aforisma 203 da mesma obra [Além do bem e do mal], de “cabeças de abóbora”, criticando seus ideais do futuro, de homens livres e de igualdade, dizendo que tais percepções são degenerativas para homens superiores. [NIETZSCHE, 2002, p. 127].

Nietzsche pensa que, tanto o socialismo, como o anarquismo presentes em seu tempo, provem “da fraqueza, da inveja, da vingança” [NIETZSCHE, 2002, p. 53], e no mesmo aforisma, o autor faz questão de salientar que “O anarquista e o cristão têm a mesma origem...” [NIETZSCHE, 2002, p. 53]. Na obra Crepúsculo dos ídolos, aforisma 34, Nietzsche expressa, o vínculo entre anarquistas, socialistas, e as demais teorias políticas de seu tempo, com o cristianismo; diz o autor:

“Cristão e anarquistas. – Quando o anarquista, como porta-voz das camadas sociais em decadência, reclama com bela indignação o “direito”, a “justiça”, os ‘direitos iguais’, fala sob a pressão de sua própria incultura, que não sabe compreender porque no fundo ele sofre – em que é pobre em vida... Há nele um instinto de causalidade que o impele a raciocinar: Alguém deve ter culpa de meu mal-estar...  Essa “bela indignação” já lhe faz um bem por isso só, é um verdadeiro prazer para um pobre poder injuriar – nisso encontra uma pequena embriaguez de poder. Já a queixa, o mero fato de se queixar, pode dar à vida um atrativo que a suportável: em toda queixa há uma dose refinada de vingança, recrimina-se o próprio mal-estar, em alguns acasos até mesmo a própria inferioridade como a injustiça, como um privilégio iníquo para aqueles que se encontram em outras condições. “Já que sou um canalha, tu deverias sê-lo também”: é com esta lógica que se fazem as revoluções. As lamentações jamais valem alguma coisa: procedem sempre da fraqueza. Que se atribua o próprio mal-estar aos outros ou a si mesmo – aos outros o socialista, a si mesmo o cristão – não há nisso propriamente nenhuma diferença. Em ambos os casos, alguém deve ser culpado e é aí que reside algo de indigno, pois aquele que sofre prescreve contra seu sofrimento o mel da vingança. Os objetos dessa necessidade de vingança nascem, como necessidades de prazer, de causas ocasionais: aquele que sofre encontra em toda parte razões para refrescar seu ódio mesquinho – se é cristão, repito, as encontra em si mesmo... O cristão e o anarquista – ambos são decadentes. Quando o cristão a condena, difamar e denegrir a sociedade: O “Juízo Final” constitui o mais doce consolo da vingança -é a revolução tal como a espera o trabalhador socialista, mas concebida em tempos um pouco mais distantes... O próprio “além” – para que serviria esse além, se não fosse para fazer subir o “aquém” desta terra?” [NIETZSCHE, 2008, p. 95-96].

No texto Aurora, aforisma 132 intitulado “Os últimos ecos do cristianismo na moral”, Nietzsche acredita que a “moral de rebanho” expressas nas mais variadas ideologias de seu tempo, são os últimos espasmos do agonizante cristianismo existente na Europa. Sigmund Freud, em seu texto Futuro de uma ilusão, publicado em [1927], assim como Nietzsche, acredita que o cristianismo é uma figura moribunda. Na obra em questão, o autor acredita numa linha do tempo cronologicamente evolutiva, onde o cristianismo e as crenças religiosas, representava um estágio infantil da humanidade, de ilusões desprovidas de conhecimento aprofundado da realidade. Para Freud, até o período em que seu texto foi publicado, a humanidade estava caminhando para uma condição de maior amadurecimento intelectual, afastando-se assim, das crenças, ilusões religiosas alheias a conhecimentos científicos. [FREUD, 2011]. Voltando para o Nietzsche, grande parte das ideologias do seu tempo, incluído todas aquelas de cunho socialista, são ideologias de “rebanho”, tais como a mentalidade cristã, tornam o homem anêmico, pregando a supressão dos mais íntimos instintos vitais, as pulsões, os afetos fisiológicos; em prol da pregação de uma moral que visa o bem comum, onde o homem passa a ser uma engrenagem, uma ferramenta da moral coletiva pregada pelas ideologias. [NIETZSCHE, 2007, p. 130-131].

Gabando-se de ter encontrado a estrutura da moral cristã, Nietzsche diz:

“A colocação a descoberto da moral cristã é um acontecimento sem igual, uma verdadeira catástrofe. [...] Tudo o que até hoje se achava ‘verdade’ é reconhecido como a forma mais nociva, mais pérfida, mais subterrânea de mentira o pretexto sagrado de ‘melhorar’ a humanidade, reconhecido como a astúcia para sugar o sangue da vida, para torna-la anêmica. A moral como vampirismo...[...] A ideia de ‘Deus’ inventada para servir de antítese à vida – nela, tudo o que há de nocivo, de envenenador, de caluniador, toda a hostilidade mortal contra a vida sintetizada numa espantosa unidade! A ideia de “além”, de “verdadeiro mundo”, inventada para depreciar o único mundo que existe – para não deixar a nossa realidade terrestre nenhuma finalidade, nenhuma razão, nenhuma tarefa a propósito! A ideia de ”alma”, de “espirito” e finalmente a de “imortalidade da alma”, inventada para desprezar o corpo, para torna-lo doentio – “santo” – para contrapor uma leviandade horripilante a todas as coisas que merecem seriedade na vida, às questões de alimentação, de habitação, de regime intelectual, do tratamento dos doentes, da higiene, da meteorologia. Em vez de saúde, a “salvação da alma” – quer dizer uma loucura circular intermediária entre as convulsões da penitência e a histeria da redenção” [NIETZSCHE, 2017, p. 122].

A crença numa verdade absoluta, e que dela provem a vida satisfatória, deriva de um passado distante. O pensamento religioso que foi declinando desde o século XVIII, paralelamente foi dividindo espaço com a ascensão de novos pensamentos, ideologias. [ANDERSON, 2008, p. 38]. Estas ideologias, desde o século XVIII, XIX e XX, muitas vezes detratoras das igrejas e de pensamentos religiosos, elaboram suas teorias e teses buscando se afastarem das crenças religiosas, contudo, para Nietzsche, suas bases ainda estão cravadas nas heranças do platonismo e cristianismo. Desde a decadência do helenismo clássico, perpassando pelos milênios de cristianismo, até as relações do século XIX, o autor aponta como a estrutura de pensamento moral platônica-cristã está entrincheirada na civilização ocidental.

Nietzsche relata inúmeros fatores do pensamento cristão que existem por um espaço cronológico extremamente amplo, e que, se analisados sob a ótica do conceito de Braudel [discutido acima], podem ser entendidos como estruturas de pensamento de “longa duração”. As ideias das democracias ocidentais [geralmente laicas e com forte influência ateia], as ideologias socialistas, comunistas, liberais, positivistas entre outras presentes no século XIX, para Nietzsche, ainda que tais pensamentos neguem o cristianismo, não deixam de expressar seus agudos vínculos com estruturas de longa duração basilares dos pensamentos platônico-cristão. Com isso, reiteramos que o intuito deste texto é demonstrar como o filósofo alemão trabalha com estruturas de pensamentos de Longa Duração, apontando os calcanhares platônicos e cristãos de ideologias da modernidade.

Considerações finais
O texto em questão relaciona reflexões e constatações de Nietzsche, com o conceito de “longa duração” de Braudel. O pensamento platônico que ousou propor um mundo passivo de perfeição, um mundo ideal, tornou-se presente também no cristianismo, e rente a este último, a ideia de salvação, a crença num paraíso alcançado por meio de medidas restritivas, moralistas [aquilo que pode e não pode ser feito – a ideia de pecado], segundo Nietzsche, existiu por milênios. Contudo, no século XIX, tais elementos do pensamento platônico-cristão não deixa de existir, para Nietzsche, heranças platônicas-cristãs continuam existindo no núcleo das ideologias da modernidade. A concepção de um paraíso futuro, terreno, procedente de ações humanas [a sociedade do progresso], o vigoroso vínculo com o ideal em oposição ao real [apego a ideias do que poderia ser, e não do que é], a ideia de melhorar, salvar a humanidade, a crença em ideais que precedem a prática, a matéria, o real, exalando uma moralidade [um conjunto de regras e condutas para alcançar o ideal almejado] que busca o bem comum e universal, entre várias outras questões citadas por Nietzsche em suas obras, são para ele, heranças do platonismo e da tradição judaico-cristã nas ideologias modernas, visto que, socialismo, comunismo, anarquismo, liberalismo, positivismo entre outras, pela ótica do filósofo, nutrem e apresentam elementos platônico-cristãs. Como expresso nas citações acima, as estruturas dos pensamentos platônico-cristão enumeradas por Nietzsche, são evidentes por limites cronológicos abundantemente largos, presentes em ideologias seculares, contrarias as religiões e em grande parte ateias. Socialismo, anarquismo, liberalismo, as democracias ocidentais, entre outros pensamentos, para Nietzsche, são mentalidades de rebanho travestida de retóricas românticas, discursos dialéticos, científicos, mas que em seu amago, arde o espírito cristão. Conclui-se que as constatações do filósofo germânico, trabalham na longa duração, ilustrando estruturas de pensamentos milenares, estruturas dos pensamentos platônico-cristão, que podem, sem demasiado ardor laboral, partindo do entendimento dos critérios da Longa Duração explicitado por Braudel, serem analisado com uma estrutura de longuíssima duração.

Referências
Jonatan Rafael de SOUZA MELLO é mestrando em História pela UNESP, campus de Assis.

ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexão sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. 6° ed. Lisboa: Editora presença, 1990.
FREUD, Sigmund. Futuro de uma ilusão. Porto Alegre: L&PM, 2011.
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Hemus, 2002.
NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. Aurora. São Paulo: Editora Escola, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. São Paulo: Editora escola, 2008.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Lafonte, 2017.
NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Lafonte, 2017.

6 comentários:

  1. Bom dia, senhor Jonatan Rafael de Souza Mello. Parabéns pelo texto. Muito interessante e objetivo. Sua análise me motivou a pensar em outros assuntos, como por exemplo, qual a influência que o platonismo teve na constituição da doutrina da imortalidade da alma apregoada pela Igreja Católica? Se for possível, gostaria que dissertasse sobre essa relação.
    E também, levando em consideração que as estruturas se modificam, ainda que lentamente em um longo período de tempo, como podemos pensar a relação entre Braudel e Nietzsche partindo dessa premissa?
    Já agradeço!

    Por: Raimundo Nonato Santos de Sousa

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    1. Esta sua primeira questão é excelente, porém extremamente densa, eu teria que explicá-la na perspectiva histórica e filosófica. Para tentar respondê-la de forma sucinta (e olha que é uma tarefa hercúlea, visto eu sua pergunta é demasiadamente ampla) terei que abandonar por hora, Nietzsche. Segundo o historiador Mircea Eliade, nos primórdios do cristianismo, há inúmeros intelectuais com influência platônica. Entre os séculos III, IV, V e VI, podemos ver os alicerces intelectuais da Igreja Católica sendo plantados, alicerces estes que resistiram por longos espaços cronológicos, e muitos existem até hoje. Platão num diálogo chamado “Frédon: a imortalidade da alma” (este texto eu li há muito tempo, creio que não irei conseguir lembrar passagens literais) diz que, ainda que atados, corpo e alma são coisas distintas. De forma muito resumida, a alma para o filósofo grego é fonte de inesgotável conhecimento, aquela que pode alcançar o conhecimento e a verdade nas coisas, enquanto o corpo é mais suscetível ao erro, mais facilmente ludibriado e capaz de ludibriar o sujeito, — ele até diz que os filósofos se distinguem dos demais homens por conseguirem separar com maior destreza a alma da má companhia do corpo. Inúmeros autores nós primeiros séculos do cristianismo estiveram ancorados nesta perspectiva de Platão, e destaca-se entre estes o santo Agostinho. O doutor da igreja tenta fugir do maniqueísmo entre corpo e alma, e desenvolve reflexões extremamente graciosas sobre o assunto no texto “Patrística, contra os acadêmicos” (perdoe novamente o golpe de memória por não ser capaz de fazer citações literais, faz uns 3 anos que não retomo as investigações sobre estes temas basilares da igreja, mas estou certo que o que digo está neste texto). Para Agostinho, alma e corpo são produções de Deus, porém não contemplam a mesma perfeição. Para o santo, a alma é pura, perfeita, passível de encontrar a bem aventurança e a graça divina; já o corpo, ainda que seja tão perfeito quanto a alma (mas ainda sim ilustre, já que é fruto de Deus), este pode ser fonte de erros induzindo os homens ao pecado. É claro que a discussão não acaba por aí Raimundo, ele prossegue fazendo discussões sobre o tema, mas de forma abundantemente resumida, creio que esta breve explicação responde sua pergunta. Esta influência platônica existiu por séculos e é presente até hoje, Nietzsche numa passagem do livro Ecce Homo critica esta influência — esta passagem até está presente no meu texto acima.

      Quanto a segunda questão, confesso não ter entendido muito bem, contudo, irei responder com base naquilo que SUPONHO ter captado. Se não estiver a contento, torne a perguntar que tornarei a responder. O quis com o texto foi mostrar as contribuições de Nietzsche para o que Braudel chama de Longa Duração. Nietzsche por meio de suas críticas ao platonismo, cristianismo, as ideologias e instituições de seu tempo, expõe estaturas platônico-cristãs que existem por espaços cronológicos longuíssimos. São estruturas que não fazem tamanho estardalhaço e balburdia quanto os eventos de curta duração, porém existem, e são tão cravadas nas entranhas dos homens, que estes mal sabem, e nem notam imponência e influência de tais estruturas sob suas vidas. Nietzsche nos fornece exemplos de estruturas de pensamentos extremamente antigas, e difíceis de serem visualizadas, prova disso é que o autor aponta o pensamento platônico-cristão em ideologias do seu tempo que visavam distanciamento de tais pensamentos. Usando o conceito de Braudel podemos dizer que Nietzsche trabalha na longa duração, porém ele não conhece tal conceito. Em suma, é isso.
      Agradeço novamente a pergunta!
      Jonatan. Abraço

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  2. Por: Manoel Caetano do Nascimento Júnior
    Jonatan, boa tarde!
    Quando eu olhei o título deste texto em
    que o Jonatan anunciou Nietzsche e Braudel eu fiquei bastante curioso, pois imaginei que fosse discutir questões do campo historiográfico, não do campo histórico (pequena diferença). No entanto o corpo do texto coloca os autores em perspectivas diferenciadas. Digo isto porque, baseando-se na perspectiva de Braudel sobre o tratamento dado ao tempo histórico, Jonatan fez analogias com o achado (leia-se também: crítica) Nietzschiana sobre a moral que rege (regeu) a sociedade ocidental secularmente.
    Seu texto me provocou algumas questões que levantarei aqui brevemente. Primeiramente eu te pergunto: porque colocar um autor do XIX sob o crivo de uma perspectiva (autor) do século XX? Você pretende discutir Nietzsche enquanto precursor da perspectiva de longa duração? Se Nietzsche serviu como exemplo para exposição da abordagem braudeliano sobre o tempo por que não discutir a perspetiva de ambos a partir da temporalidade visto que eles discutiram, cada um em seu tempo e a sua maneira, a questão do tempo?

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    1. Olá senhor Manoel, boa noite! Agradeço sua pergunta e lamento por minha demora em responder. Vamos falar da primeira questão: o que quis com o texto foi mostrar as contribuições de Nietzsche para o que Braudel chama de Longa Duração. São estruturas que não fazem tamanho estardalhaço e balburdia quanto os eventos de curta duração, porém existem, e são tão cravadas nas entranhas dos homens, que estes mal sabem, e nem notam imponência e influência de tais estruturas sob suas vidas. Nietzsche nos fornece exemplos de estruturas de pensamentos extremamente antigas, e difíceis de serem visualizadas, prova disso é que o autor aponta o pensamento platônico-cristão em ideologias do seu tempo que visavam distanciamento de tais pensamentos. Usando o conceito de Braudel podemos dizer que Nietzsche trabalha na longa duração, porém ele (Nietzsche) não conhece tal conceito, o que fiz foi apenas citar um exemplo de Longa Duração analisando a estrutura, evidenciado por Nietzsche.

      Respondendo sua segunda questão: não. Já que Braudel diz que as estruturas de Longa Duração são mais difíceis de serem visualizadas, procuro demonstrar, segundo Nietzsche, estruturas do pensamento platônico-cristão como exemplo de estruturas de Longa Duração. Nietzsche trabalha na Longa Duração, mas não conhece tal conceito, por isso é fácil analisar as estruturas apontadas por Nietzsche pela perspectiva de Braudel.

      Agora vamos para sua última questão. Não discuti ambos de tal forma porque não é esta a finalidade da proposta. A questão colocada pelo senhor é ótima, porém impossível de ser discutida nos limites de palavras do presente evento. Olhe como é complexo, até a visão de história e a perspectiva de tempo de ambos os autores são radicalmente diferentes, - ainda que suas existências não estejam tão distantes cronologicamente. No texto Considerações Extemporâneas Nietzsche trabalha a história e o tempo numa perspectiva filosófica (em alguns aspectos próximos da história); já Braudel, se comparado a Nietzsche, pouco trabalha com a filosofia, e tem sua preocupação voltada especificamente para o tempo histórico, e o tempo trabalhado pelos historiadores. Enfim, é uma questão interessante, mas muito difícil de ser resumida nos limites do evento, — quiçá aqui nos comentários. Espero ter respondido às questões a contento, do contrário, torne a perguntar que tornarei a responder. Agradeço imensamente suas perguntas!
      Jonatan. Abraço

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  3. Primeiramente elogio suas respostas pois elas foram deveras objetivas. Gostei do seu texto e ainda mais das explicações. Obrigado pelo diálogo. Espero vê-lo (ou lê-lo) discutindo estas mesmas questões em outras esferas.
    Abraço!

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