UMA HEROÍNA BRASILEIRA: UMA REFLEXÃO SOBRE A REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA EM ‘OLGA’
O século XX
apresentou-se como um espaço-temporal distinto da compreensão cronológica
comumente adotada. Primeiramente, por suscitar a possibilidade de que o
processo histórico não está restrito a um determinado recorte temporal, sendo
flexível o seu movimento, na medida em que as ações humanas duram mais ou menos
do que aquilo que poderia, ineficientemente, ser previsto. Ademais, o século XX
mostrou o quanto os acontecimentos humanos não ficam restritos a um determinado
espaço, cultura ou grupo. Segundo Geertz (1987), estamos interligados em teias
de relações e, assim, compomos as trajetórias das sociedades, marcando a História
da humanidade. Desse modo, a História é resultado das histórias cotidianas de
seus agentes, interligados entre si e o meio que os circunda, cujo alcance de
seus pensamentos e decisões têm a potencialidade de atingir objetivos não
previstos, aquém da possibilidade de serem sequer previstos.
As sociedades
ocidentais, em geral, são caracterizadas como manifestações culturais
vinculadoras de indivíduos entre si e estes, por sua vez, vinculados com o
meio. Dessas relações sociais, conforme o pensamento de Lévi-Strauss (1982),
nasce a cultura. Entretanto, nelas estão inseridas uma realidade humana
considerável: o imaginário. Para Mafessoli (2001), o imaginário não se reduz a
uma irrealidade ou imaginação, mas antes, trata-se de uma realidade
imprescindível, que traz em si algo de imponderável. O imaginário “é o estado
de espírito que caracteriza um povo” (p. 75), sobre o qual a cultura se
alicerça e se sustenta, e é transmitida de geração em geração, permitindo que
um determinado grupo alimente uma visão de mundo, mediante a qual suas ações
são legitimadas. Por isso, Mafessoli (2001) defende que o imaginário é um
fenômeno coletivo. Desse imaginário derivarão as ações do grupo; estas
corresponderão às ações de uma sociedade.
Segundo Chartier
(1991), o mundo está repleto de representações. Nele está o fruto das
representações humanas. Isso não significa a permissão da compreensão de um
mundo aparente, sem autonomia de existência, resultado exclusivo da operação
humana. O mundo é preexistente à espécie humana, sendo esta uma das inúmeras
manifestações viventes nele expressa. Culturas, sistemas políticos, estruturas
de crença e demais esquemas complexos são representados através de conjuntos de
imaginário, cujo caráter simbólico apresenta-se como elemento essencial para
sua identificação, presente nos mais diversos sistemas de linguagem. A
representação atua como elo entre a significação e a linguagem à cultura.
Ao se refletir sobre a
temática supracitada, do encadeamento existente entre imaginário e
representação e a maneira como se desenrola esse processo na cosmovisão das
sociedades, através da sua cultura, compreende-se melhor o que Hobsbawm (2016)
pontua quando destaca que:
“De todos os fatos da
Era da Catástrofe, os sobreviventes do século XIX ficaram talvez mais chocados
com o colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso
seu século tivera como certo, pelo menos nas partes “avançadas” e “em avanço do
mundo”. (p.113).
Tem-se, segundo o
relato, uma exemplificação da cosmovisão de uma sociedade através da
representação. A postura europeia frente à derrocada de seus “valores”, denota
a incompreensão da cultura enquanto fenômeno vivo, mutável e contingente. Os
valores defendidos pelo ideal do liberalismo surgiram como prospecto de um segurança
num futuro glorioso, firme e próspero; ao menos a uma parcela da sociedade. Até
1914, apenas algumas instâncias se pronunciaram, senão arbitrária, ao menos
desconfiadamente dos propósitos de liberdade, educação, debate público, avanço
científico e demais melhorias, a saber: a Igreja Católica, os “rebeldes
intelectuais e profetas do apocalipse, sobretudo de ‘boas famílias’ e centros
estabelecidos de cultura” (HOBSBAWM, 2016, p. 114) e pelas forças da
democracia.
Apesar dos movimentos
políticos liberais demandarem os ideais democráticos, essa esfera era pensada
para um limitado grupo, compreendido como elite burguesa. Às massas, caberia a
manutenção do sistema capitalista, sendo considerada uma peça de engrenagem
fundamental para a produção fabril. Caracterizada pela ignorância e o atraso, à
massa era destinado o empenho dos grupos pela democracia, cujo compromisso era
“a derrubada da sociedade burguesa pela revolução social” (HOBSBAWM, 2016, p.
114). Forte motivo de alarme era a busca pela conservação dessa massa na
ignorância oriunda dos demagogos, a fim de facilitar o processo de conservação
da estratificação social.
O mundo europeu a
partir de 1914-8, marcado pela Primeira Guerra Mundial, emergiu alicerçado em
constituições liberais em países independentes - situação distinta tinha-se nas
colônias de então -, com exceção da Rússia.
Não tardou, contudo, para que o liberalismo se reduzisse, o socialismo
se restringisse à URSS e os sistemas totalitários ascendessem. Hobsbawm (2016)
salienta quanto ao processo de avanço do socialismo no período que:
“O medo da revolução
social, e do papel dos comunistas nela, era bastante real, (...) mas nos vinte
anos de enfraquecimento do liberalismo nem um único regime que pudesse ser
chamado de liberaldemocrático foi derrubado pela esquerda”.
A revolução social não
encontrou êxito de derrubada de governo na Europa, nem no Brasil. Luís Carlos
Prestes (1898-1990) foi um militar e político comunista brasileiro cuja
repercussão foi marcante no cenário histórico nacional. Foi o líder de um
movimento que percorreu o solo brasileiro na tentativa de conscientizar as
classes operárias e desfavorecidas acerca da necessidade de uma revolução
social na política nacional. Embebido dos ideais soviéticos, tal empreitada
desejava que a população assumisse a frente num cenário historicamente marcado
pela presença hegemônica de uma elite oligárquica a governar segundo os
próprios interesses.
A Coluna Prestes
(1925-1927) ficou conhecida como uma das manifestações do período tenentista da
Primeira República do Brasil (1889-1930), marcado por inúmeros protestos ao
longo do território. Segundo Motta
(2004), esse movimento político-militar, um dos episódios “mais célebres da
epopeia revolucionária” (p. 92) no Brasil, encontrou na imprensa um aliado que
“tendia a exaltar a figura do jovem capitão, acabando por transformar Prestes
em mito, inclusive atribuindo-lhe a alcunha que o acompanharia por décadas: o
Cavaleiro da Esperança” (MOTTA, 2004, p. 92). Ao perscrutar os anseios e
necessidades da população, “(...) Prestes foi assumindo o papel dos mitos
políticos modernos: herói envolto numa narrativa legendária, encarnação das
utopias de um grupo e elemento poderoso na mobilização da esperança de um
futuro melhor” (MOTTA, 2004, p. 92). Ao encontro desse pensamento vem o episódio
presente no imaginário brasileiro segundo o qual Prestes havia percorrido mais
de 25 mil quilômetros a pé, pelo território nacional, acompanhado de seu grupo,
a fim de levar os princípios e ideais revolucionários à população, conquistando
adeptos capazes de levá-los a termo.
A negativa de Prestes
de participar da Revolução de 1930, segundo Motta (2004), foi motivada pela
compreensão do militar de ser essa, apenas, mais uma manobra do poder
oligárquico, o que contrariava o princípio ideológico pelo qual havia empenhado
sua campanha. Com a incipiente e velada perseguição do governo ao Partido
Comunista no país, o regresso de Prestes da URSS precisou ser articulado e
previsto, necessitando de escolta. A responsável pela execução da missão foi
uma jovem judia e comunista, de origem alemã, chamada Olga Benário. No decorrer
da viagem para o Brasil, a fim de disfarce, o casal forjou uma relação conjugal
inexistente. Dessa encenação derivou uma paixão que renderia um episódio
singular na história do Brasil. O presente artigo utilizou-se da revisão
bibliográfica para analisar a representação de Olga Benario, mulher, judia e
comunista alemã como possível heroína brasileira no período pós Regime Militar
(1964-1985), chamado de redemocratização. Como objeto de análise, tem-se a obra
Olga, de Fernando Morais, proposta como documento fidedigno do histórico vivido
pela personagem em seu período. O artigo analisou como a relação
História-Literatura permitiu a ampliação reflexiva, propondo a compreensão da
abrangência da obra que, ao transpor o texto literário, oportunizou a
identificação da representação do período em que fora escrita. De acordo com
Pesavento (2006) a literatura é um discurso cujo privilégio se encontra no
acesso ao imaginário de outra época, e utilizá-la como metodologia para o
ensino de História tem se mostrado como uma alternativa válida. A pesquisa
aponta, assim, quais as possibilidades consideradas por Morais ao eleger Olga,
comunista alemã, como símbolo da construção do ideal heroico no Brasil, utilizando-se
do discurso literário, permitindo o acesso ao imaginário do autor no contexto
histórico apresentado e no vivido por ele.
Abordagem
metodológica
Assim como Prestes,
Olga acabou por ser uma personagem histórica cuja representatividade fora construída.
Inicialmente, segundo Mesquita e Pontes (2008), Olga fora representada como “a
mulher de Prestes”, imagem reforçada por Jorge Amado na obra ‘O Cavaleiro da
Esperança’, de 1942. Em 1985, é publicada a biografia Olga, de Fernando Morais,
num contexto brasileiro peculiar. O processo de redemocratização do Brasil, a
partir do fim da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), possibilitou a difusão da
obra. O autor, no prólogo da narrativa, deixa impressos seu objetivo ao
discorrer sobre esta personagem e quais os obstáculos responsáveis pelo
adiamento de alcançá-lo:
“(...) Decidi que
algum dia escreveria sobre Olga, projeto que guardei com avareza durante os
anos negros do terrorismo de Estado no Brasil, quando seria inimaginável que
uma história como esta passasse incólume pela censura” (MORAIS, 2004, p. 9).
Em relação às
dificuldades de acesso às fontes para a composição narrativa, segue o autor:
“No Brasil não havia
praticamente nada sobre ela – e surpreendi-me ao descobrir que até mesmo a
historiografia oficial do movimento operário brasileiro, produzida por partidos
ou pesquisadores marxistas, relegara invariavelmente a ela o papel subalterno
de “mulher de Prestes” – e nada mais do que isto” (MORAIS, 2004, p. 9).
Diante dessas duas
realidades, sua necessidade de pesquisa acerca de um aprofundamento maior
quanto aos fatos e processos envoltos na personagem Olga Benário, motivados,
segundo Morais (2004), desde a adolescência, por ouvir contar pelo pai a
história da mulher de Luís Carlos Prestes, grávida de sete meses, dada “de
presente” (p. 9) por Filinto Müller a Hitler; e a impossibilidade de divulgar
esse relato num contexto similar ao de Olga, quando o país atravessava, mais
uma vez, uma situação sócio-política que previa a restrição da liberdade de expressão
de seus cidadãos. Distantes em décadas, Morais e Olga encontravam-se em
situações aproximadas de contexto político, uma vez que ambos, em ditaduras
diferentes, podiam perceber um inimigo em comum sendo conservado: a esquerda
política, reduzida sob a simplificação conceitual de comunista.
Morais (2004) é
enfático ao defender que sua pesquisa é pautada na intencionalidade de relatar
“fatos que aconteceram exatamente como estão descritos [no] livro (...)” (p.
9). Todavia, sua obra pertence ao gênero literário de biografia, não sendo
configurado, portanto, como uma obra de História. “A Literatura, assim como a
História, constrói representações sobre o mundo e, portanto, deve ser estudada
para que se entenda o contexto do momento em que foi produzida” (SILVA; BUFFON,
2019), ou seja, o texto de Fernando Morais propõe-se ser uma fonte histórica
acerca de Olga, mas este objetivo não se encerra em si: a obra traz consigo
muito do contexto em que foi escrita. Percebe-se que o autor, ao narrar os
fatos da vida de sua personagem, acaba por ressaltar aquelas que são
consideradas as virtudes marcantes e essenciais da construção de uma heroína.
A obra apresenta Olga
como uma personagem dotada de capacidades assaz à frente dos demais jovens.
Segundo Sarpe (2008):
“Tanto as formas de
predicação “eficiente”; “ousada”; “decidida”; “corajosa” etc., quanto outras
escolhas linguísticas, geralmente substantivas, que compõem os enunciados nos
excertos mostrados (...), tais como “progresso fulminante”; “ideias engenhosas
e imaginativas”; “uma das mais vertiginosas carreiras”; “coragem e
determinação” etc. são usadas para designar a militante Olga. Essas escolhas
(as últimas) compõem também a política de nomeação/predicação do narrador, pois
esses elementos linguísticos, usados para compor o texto em questão
desencadeiam atributos que caracterizam a militante Olga” (p. 93).
Percebe-se que Morais
predica Olga com atributos que lhe parecem indispensáveis para sua
representação enquanto heroína. Nota-se a responsabilidade quanto às escolhas
de nomeação e predicação, aludindo a uma liberdade poética que aproxima a obra
de seu enredo literário. Para White (2001), este posicionamento de Morais não
prejudicaria o conjunto da obra, já que “vistos apenas como artefatos verbais,
as histórias e os romances são indistinguíveis uns dos outros. (...) Ambos
desejam oferecer uma imagem verbal da ‘realidade’” (p. 138). Essas
interpretações expressam uma interdisciplinaridade entre as áreas das ciências
histórica e literária, de onde pode-se considerar que, além de almejar uma
ressignificação da biografia de Olga Benário, Morais encontra nela uma possível
heroína para o imaginário brasileiro no processo de redemocratização. A figura
do herói apresenta-se como de importância ímpar no processo de “personificação
de uma nação”, conforme Hobsbawm (2008):
“(...) O herói é herói
e ponto final. Discutir seu papel é pôr em questão a Pátria, a Religião, as
Forças Armadas, a Revolução, o Partido – enfim, todas essas coisas sagradas e
intocáveis (...)” (MICELI, 1991, p. 10-11).
Na esteira do processo
de redemocratização brasileira da década de 1980, passados os anos de silêncio
instituído pela lei de censura, de limitação da liberdade de expressão e de
identificação com quem fosse considerado subversivo, Morais traz a imagem de
Olga à tônica da necessidade de um país identificar-se com a representação de
heróis. O autor apresenta esta proposta em sua obra, ressaltando as virtudes
inquestionáveis e quase sobre-humanas da protagonista, cujo discurso representativo
apresenta-se como verídico.
Conforme Mesquita e
Pontes (2008), o uso da ficção constante que se apresenta na descrição e
amostra dos sentimentos vividos pelas personagens, e considerados como reais,
denuncia a ideia de que Morais era um sujeito de relações íntimas com as
personagens. É possível que a intenção do autor seja a de aproximar a
personagem do imaginário brasileiro, a fim de apresentá-la como heroína, face o
processo histórico no qual está inserido o autor? Para Mesquita e Pontes
(2008), a resposta a este questionamento é afirmativa:
“Seria uma busca pela
identificação, na tentativa de reconhecer, na vida presente, os traços
característicos da realidade passada” (p. 92).
É interessante
observar que, para aquele contexto, Morais suscite uma imagem feminina para
compor o conjunto identitário do imaginário brasileiro. Não restringindo a
imagem da mulher, trata-se de uma judia, comunista alemã e entregue, pelo
Brasil, ao governo alemão. Há uma carga simbólica significativa na escolha de
Olga. Ela representa, em si só, um conjunto de minorias. O Brasil
redemocratizado precisava apontar para a possibilidade de um mundo melhor. A
protagonista da obra, portanto, encerrava em si características necessárias
para fomentar essa esperança entre a população brasileira. Ainda que tenha sido
assassinada, os fascistas promovedores da guerra saíram perdedores, sendo a
esperança da transformação social ainda conservada. “O mesmo exemplo deveria
ser seguido em relação ao Regime Militar, que estava em seus últimos dias”
(MESQUITA, 2008, p. 92). A esperança de dias melhores deveria ser o impulso
advindo dos tempos de sofrimento.
Apesar de ser de
origem alemã, a apresentação de Olga Benario como uma heroína brasileira parece
encontrar paralelos pelos quais a conexão procure ser estabelecida entre a
personagem e o público. Embora Morais tenha justificado sua pesquisa como fruto
do descontentamento à limitação descritiva de Olga como “mulher de Prestes”, é
nessa relação conjugal, cujo nascimento de Anita Leocádia é o símbolo concreto,
que a aproximação com o Brasil se legitima.
O Brasil da
redemocratização; o país que estava abandonando o Regime Militar mais uma vez;
a nação cuja intolerância calara tantas vozes ao longo de décadas tinha uma
personagem de fibra, astúcia e temperamento marcantes o suficiente para
significarem o símbolo de resistência e coragem que os novos tempos exigiram. A
nacionalidade alemã de Olga acabara sendo transposta para a cidadania
brasileira, aproximando o país de fatos históricos mundialmente complexos e
significativos. Ter sido assassinada na câmara de gás de um campo de
concentração de Hitler aproxima o Brasil do contexto sanguinário da Segunda
Guerra de um modo diferente da narrativa da história oficial. Na obra de
Morais, Olga é compreendida como uma brasileira condenada aos horrores da
política fascista de Hitler, cujos crimes não encontravam respaldos compatíveis
à condenação imposta.
Considerações
finais
É possível concluir
que ao representar positivamente o perfil da sua protagonista, Fernando Morais
almeje a reivindicação do poder dos grupos sociais que Olga representa. O autor
também objetivou a participação na política institucional, através de eleições
ao longo do período de redemocratização, sendo nomeado para cargos públicos.
De acordo Mesquita e
Pontes (2008), a aceitação do líder ou de um modelo de vida só ocorre quando o
indivíduo se identifica com o protagonista. Em complemento à esta ideia, Veyne
(1987) afirma que alguém atinge o status de líder e posterior poder representativo
se sua moral é equivalente à de seu povo. A representação de Olga feita por
Morais permite “(...) sentir o carisma e seguir o exemplo de uma militante que
lutou por uma sociedade mais justa (...)” (MESQUITA, 2008, p. 97).
Assim, Olga é uma obra
que sustenta uma diversa rede de relações de poder. Essas relações embasam-se
na afirmação de veracidade, conjuntas às construções fragmentadas oriundas da
subjetividade humana. Concorda-se com
Mesquita e Pontes (2008) quando se compreende que o objetivo central e
racionalizado da biografia de Olga, por Morais, seja “garantir a (re)conquista
dos direitos democráticos perdidos com o Regime Militar, que, segundo o
escritor, se assemelhou ao Governo Vargas e aos regimes fascistas” (p. 98). A
Literatura, pois, mostra a possibilidade de contribuir ao indivíduo para
análise da vida no período em que foi produzida e no contexto em que estavam
inseridas. “(...) A representação dos desejos e necessidades de quem escreveu
ou contou essas histórias(...)” (SILVA; BUFFON, 2018) permite ao leitor acessar
não apenas o recorte histórico-temporal proposto por Morais, no caso, o período
varguista brasileiro dentro do contexto da ascensão fascista na Europa e o
holocausto da Segunda Guerra Mundial, mas também, as experiências e visão de
mundo que o autor traz consigo a partir do Regime Militar no Brasil, de 1964 –
1985, acompanhados da esperança que sustenta e traduz na personagem Olga. A
História ofereceu material para que Literatura criasse sua narrativa; a
Literatura ofereceu a representação de Olga como resposta para o contexto
social em que a narrativa foi redigida; a relação História e Literatura
ofereceu uma heroína ao Brasil, cuja representação é capaz de acompanhar o
imaginário dos leitores.
Referências
Rodrigo Gustavo Pires
Heckler é Graduado em Licenciatura em História, pela Universidade Feevale, Novo
Hamburgo, RS. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Processos e
Manifestações Culturais, pela mesma universidade. Desenvolve pesquisa na área
de História, com ênfase em Imaginário e Representação. Participante do grupo de
pesquisa em Cultura e Memória da Comunidade, vinculado ao mesmo programa de
pós-graduação, pela Universidade Feevale – NH. Atua na área da Educação no
Ensino Fundamental e Ensino Médio.
CHARTIER, Roger. À
beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre, RS:
UFRGS, 1991. [livro]
GEERTZ, Clifford. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro, RJ: LTC, 1987. [livro]
HOBSBWAM, Eric. A era
dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2016. [livro]
LEVI-STRAUSS, Claude.
As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982. [livro]
MAFESSOLI, Michel. O
imaginário é uma realidade. (Entrevista). In: Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº
15, agosto de 2001. [artigo]
MICELI, Paulo. O mito
do herói nacional. São Paulo, SP: Contexto, 1991. [livro]
MENEGUSSO, Gustavo.
História, literatura e mitobiografia: uma leitura de Olga, de Fernando Morais.
Raído, Dourados, MS, v. 5, n. 10, p. 63-72, jul./dez. 2011. [artigo]
MESQUISTA E PONTES,
Matheus. Luiz Carlos Prestes e Olga Benario: construções identitárias através
da História e da Literatura. 2008. 169 f. Dissertação (Mestrado em História
Social), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2008.
[dissertação]
MORAIS, Fernando.
Olga. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004. [livro]
MOTTA, Rodrigo P. S.
Batalhas em torno do mito: Luiz Carlos
Prestes. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 34, julho-dezembro
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PESAVENTO, Sandra J.
História e Literatura: uma velha nova-história. In: Revista Nuevos Mundos,
Mundos Nuevos. Jan. 2006. Disponível em:
<https://journals.openedition.org/nuevomundo/1560>. Acesso em 28 de julho
de 2019. [artigo]
SILVA, Cristina E.;
BUFFON, Alexandro. A Divina Comédia: uma reflexão sobre a literatura como fonte
histórica. In: Contribuciones a las Ciencias Sociales. Fev. 2019. Disponível
em:
<https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/02/literatura-fonte-historica.html>.
Acesso em 24 de julho de 2019. [artigo]
SERPA, Maria Valquíria
F. A constituição identitária de Olga Benário: uma abordagem pragmática. 2008.
211 f. Dissertação (Mestrado em Linguística), Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, MG, 2008. [dissertação]
WHITE, Hayden.
Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica cultural. Tradução de Alípio
Correia de Franca Neto. São Paulo, SP: EDUSP, 2001. [livro]
Boa noite, Rodrigo.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho.
A literatura aparece no teu texto como uma forma de acesso ao imaginário de uma dada época, ainda que, seu caráter seja ficcional.
Em relação a produção das narrativas, visto que o a obra analisada pertence ao campo do literário e dialoga com o fazer histórico, qual os cruzamentos, semelhanças e divergências se percebe entre as escritas literária e histórica?
Giovana dos Passos Colling
Olá, Giovana. Obrigado pela apreciação do artigo. Sim, tens razão quanto ao caráter ficcional que a obra literária traz consigo. Interessante que na narrativa de Moraes, no caso analisado, ele se propõe a discorrer com veracidade histórica. Todavia, logo no primeiro capítulo, ele narra os sentimentos da personagem principal, destacando os seus feitos heróicos, suas percepções e sensações. Isso pertence à "liberdade poética". Não se tem como comprovar historicamente esses sentimentos. No caso em questão, talvez esteja mais presente o imaginário da contemporaneidade do autor do que o imaginário do recorte temporal por ele narrado. Há, em Moraes, a necessidade da apresentação de uma possibilidade de heróis para a redemocratização política. Ou seja, "olha só, temos alguém que, num contexto semelhante, lutou pela liberdade, ainda que com a vida". O martírio, ainda que involuntário, mostra-se como um exemplo, como uma marca, um signo. A liberdade é possível; a liberdade é necessária. Embora o diálogo entre História e Literatura seja possível, deve-se evitar anacronismos: são áreas distintas, com métodos analíticos distintos. À História não cabe o que está fora do fato. Como toda fonte, a Literatura tem um limite para a História e não pode ser forçada "a dizer aquilo que ela não diz". Enfim, parece-me que, quando a Literatura é utilizada como fonte, é preciso estar atento aos discursos ali presentes. Ela oferece à História uma hermenêutica simbólica, uma visão de mundo de alguém, um pedido ou uma denúncia. Ela agrega ao historiador na sua tentativa de acesso ao passado, é mais um meio que permite ao pesquisador perscrutar outro tempo, mas tanto autor quanto pesquisador permanecem sujeitos do seu tempo. Afinal, um texto torna-se atemporal. Ele se torna atual toda vez que um sujeito o ler e, de alguma forma, o leitor também se torna autor daquela obra. Para o historiador é possível leituras das percepções que o autor literário teve do tempo histórico, dos processos sociais, políticos e culturais que se propôs representar. Um abraço.
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ResponderExcluirRodrigo, parabéns pelo trabalho! Uma leitura muito pertinente de Olga.
ResponderExcluirSobre o imaginário: tu acreditas que as imagens presentes no cinema e na literatura produzem o imaginário que circula na sociedade ou o imaginário que já circula na sociedade é que produz as imagens que compõem as artes em geral? Como tu enxergas essas relações? Pergunto isso, pois é uma das discussões de Maffesoli: autor que tu utilizas como referência.
Sabrina Esmeris
Olá, Sabrina. Obrigado pela apreciação. Particularmente, creio que é uma relação complexa que se estabelece. Acredito ser uma influência mútua, posto que a arte é feita pelos sujeitos históricos, imersos em redes de significado. Ao mesmo tempo, os imaginários manifestados nas artes (sejam plásticas, audiovisuais, literárias) permitem uma exposição de suas representações a outras culturas. Por vezes haverá identificação dos sujeitos, por vezes não, mas sempre haverá manifestações. Mas, se fosse para te responder com uma única alternativa, ainda diria que a arte "surge" como manifestação externa de um complexo imaginário social vivido. Abração!
ExcluirRodrigo, grata pela resposta atenciosa! São relações complexas e interessantes!
ExcluirAbraço,
Sabrina Esmeris
Olá, Rodrigo!
ResponderExcluirAchei o teu texto bastante interessante e chamou a minha atenção especialmente o trecho em que falas sobre a transformação de Olga em uma heroína brasileira. Como destacas, ela reúne características de estratos sociais minoritários, o que pode apontar para o desejo de um mundo melhor. Nesse sentido, seria exatamente por ela possuir características que representam minorias, como os judeus e comunistas, que o desejo de torná-la uma heroína brasileira não se concretiza efetivamente (uma vez que ela ainda é desconhecida de grande parte da população nacional e ocupa um espaço ínfimo em obras didáticas)?
Gentilmente,
Márcia Rohr Welter
Olá, Márcia. Obrigado pela contribuição. Não consigo te responder se Olga reúne em si todos esses atributos. Posso te dizer que Moraes crê que eles estejam nela. E o faz com tanto empenho porque considera que esses valores sejam necessários ao Brasil que estava num processo de redemocratização. Porque, historicamente, Olga pertence à classe média alemã que comunga de um imaginário no período. Ela vivencia outras possibilidades com as quais se identifica e as assume para si. Ao assumir os estratos sociais minoritários, Olga, diferente de grande parte das minorias, ESCOLHEU esse caminho para si. O desejo de Moraes não se concretiza (torná-la uma heroína nacional, por exemplo) porque parece que heróis surgem a partir do clamor das "massas", na figura de alguém que torna-se um símbolo imaginário para a sociedade. Comunistas e judeus, por exemplo, não fazem parte da gama identitária brasileira, o que prejudica nessa autoidentificação. Sem contar que o Brasil sofre de uma grande dificuldade de reconhecer a sua realidade social como nação. Os discursos dos últimos tempos, por exemplo, muito servirá para atrasar ainda mais o simples "conhecer" Olga como um personagem na História do Brasil. Quando abordada, ainda figura como a "mulher de Prestes". Ela, por si só, atingirá seu reconhecimento quando aprendermos a olhar "o todo que nos compõe". Abraços.
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