Rodrigo Gustavo Pires Heckler


UMA HEROÍNA BRASILEIRA: UMA REFLEXÃO SOBRE A REPRESENTAÇÃO LITERÁRIA EM ‘OLGA’



O século XX apresentou-se como um espaço-temporal distinto da compreensão cronológica comumente adotada. Primeiramente, por suscitar a possibilidade de que o processo histórico não está restrito a um determinado recorte temporal, sendo flexível o seu movimento, na medida em que as ações humanas duram mais ou menos do que aquilo que poderia, ineficientemente, ser previsto. Ademais, o século XX mostrou o quanto os acontecimentos humanos não ficam restritos a um determinado espaço, cultura ou grupo. Segundo Geertz (1987), estamos interligados em teias de relações e, assim, compomos as trajetórias das sociedades, marcando a História da humanidade. Desse modo, a História é resultado das histórias cotidianas de seus agentes, interligados entre si e o meio que os circunda, cujo alcance de seus pensamentos e decisões têm a potencialidade de atingir objetivos não previstos, aquém da possibilidade de serem sequer previstos.

As sociedades ocidentais, em geral, são caracterizadas como manifestações culturais vinculadoras de indivíduos entre si e estes, por sua vez, vinculados com o meio. Dessas relações sociais, conforme o pensamento de Lévi-Strauss (1982), nasce a cultura. Entretanto, nelas estão inseridas uma realidade humana considerável: o imaginário. Para Mafessoli (2001), o imaginário não se reduz a uma irrealidade ou imaginação, mas antes, trata-se de uma realidade imprescindível, que traz em si algo de imponderável. O imaginário “é o estado de espírito que caracteriza um povo” (p. 75), sobre o qual a cultura se alicerça e se sustenta, e é transmitida de geração em geração, permitindo que um determinado grupo alimente uma visão de mundo, mediante a qual suas ações são legitimadas. Por isso, Mafessoli (2001) defende que o imaginário é um fenômeno coletivo. Desse imaginário derivarão as ações do grupo; estas corresponderão às ações de uma sociedade.

Segundo Chartier (1991), o mundo está repleto de representações. Nele está o fruto das representações humanas. Isso não significa a permissão da compreensão de um mundo aparente, sem autonomia de existência, resultado exclusivo da operação humana. O mundo é preexistente à espécie humana, sendo esta uma das inúmeras manifestações viventes nele expressa. Culturas, sistemas políticos, estruturas de crença e demais esquemas complexos são representados através de conjuntos de imaginário, cujo caráter simbólico apresenta-se como elemento essencial para sua identificação, presente nos mais diversos sistemas de linguagem. A representação atua como elo entre a significação e a linguagem à cultura.

Ao se refletir sobre a temática supracitada, do encadeamento existente entre imaginário e representação e a maneira como se desenrola esse processo na cosmovisão das sociedades, através da sua cultura, compreende-se melhor o que Hobsbawm (2016) pontua quando destaca que:

“De todos os fatos da Era da Catástrofe, os sobreviventes do século XIX ficaram talvez mais chocados com o colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso seu século tivera como certo, pelo menos nas partes “avançadas” e “em avanço do mundo”. (p.113).

Tem-se, segundo o relato, uma exemplificação da cosmovisão de uma sociedade através da representação. A postura europeia frente à derrocada de seus “valores”, denota a incompreensão da cultura enquanto fenômeno vivo, mutável e contingente. Os valores defendidos pelo ideal do liberalismo surgiram como prospecto de um segurança num futuro glorioso, firme e próspero; ao menos a uma parcela da sociedade. Até 1914, apenas algumas instâncias se pronunciaram, senão arbitrária, ao menos desconfiadamente dos propósitos de liberdade, educação, debate público, avanço científico e demais melhorias, a saber: a Igreja Católica, os “rebeldes intelectuais e profetas do apocalipse, sobretudo de ‘boas famílias’ e centros estabelecidos de cultura” (HOBSBAWM, 2016, p. 114) e pelas forças da democracia.

Apesar dos movimentos políticos liberais demandarem os ideais democráticos, essa esfera era pensada para um limitado grupo, compreendido como elite burguesa. Às massas, caberia a manutenção do sistema capitalista, sendo considerada uma peça de engrenagem fundamental para a produção fabril. Caracterizada pela ignorância e o atraso, à massa era destinado o empenho dos grupos pela democracia, cujo compromisso era “a derrubada da sociedade burguesa pela revolução social” (HOBSBAWM, 2016, p. 114). Forte motivo de alarme era a busca pela conservação dessa massa na ignorância oriunda dos demagogos, a fim de facilitar o processo de conservação da estratificação social.

O mundo europeu a partir de 1914-8, marcado pela Primeira Guerra Mundial, emergiu alicerçado em constituições liberais em países independentes - situação distinta tinha-se nas colônias de então -, com exceção da Rússia.  Não tardou, contudo, para que o liberalismo se reduzisse, o socialismo se restringisse à URSS e os sistemas totalitários ascendessem. Hobsbawm (2016) salienta quanto ao processo de avanço do socialismo no período que:

“O medo da revolução social, e do papel dos comunistas nela, era bastante real, (...) mas nos vinte anos de enfraquecimento do liberalismo nem um único regime que pudesse ser chamado de liberaldemocrático foi derrubado pela esquerda”.
        
A revolução social não encontrou êxito de derrubada de governo na Europa, nem no Brasil. Luís Carlos Prestes (1898-1990) foi um militar e político comunista brasileiro cuja repercussão foi marcante no cenário histórico nacional. Foi o líder de um movimento que percorreu o solo brasileiro na tentativa de conscientizar as classes operárias e desfavorecidas acerca da necessidade de uma revolução social na política nacional. Embebido dos ideais soviéticos, tal empreitada desejava que a população assumisse a frente num cenário historicamente marcado pela presença hegemônica de uma elite oligárquica a governar segundo os próprios interesses.

A Coluna Prestes (1925-1927) ficou conhecida como uma das manifestações do período tenentista da Primeira República do Brasil (1889-1930), marcado por inúmeros protestos ao longo do território.  Segundo Motta (2004), esse movimento político-militar, um dos episódios “mais célebres da epopeia revolucionária” (p. 92) no Brasil, encontrou na imprensa um aliado que “tendia a exaltar a figura do jovem capitão, acabando por transformar Prestes em mito, inclusive atribuindo-lhe a alcunha que o acompanharia por décadas: o Cavaleiro da Esperança” (MOTTA, 2004, p. 92). Ao perscrutar os anseios e necessidades da população, “(...) Prestes foi assumindo o papel dos mitos políticos modernos: herói envolto numa narrativa legendária, encarnação das utopias de um grupo e elemento poderoso na mobilização da esperança de um futuro melhor” (MOTTA, 2004, p. 92). Ao encontro desse pensamento vem o episódio presente no imaginário brasileiro segundo o qual Prestes havia percorrido mais de 25 mil quilômetros a pé, pelo território nacional, acompanhado de seu grupo, a fim de levar os princípios e ideais revolucionários à população, conquistando adeptos capazes de levá-los a termo.

A negativa de Prestes de participar da Revolução de 1930, segundo Motta (2004), foi motivada pela compreensão do militar de ser essa, apenas, mais uma manobra do poder oligárquico, o que contrariava o princípio ideológico pelo qual havia empenhado sua campanha. Com a incipiente e velada perseguição do governo ao Partido Comunista no país, o regresso de Prestes da URSS precisou ser articulado e previsto, necessitando de escolta. A responsável pela execução da missão foi uma jovem judia e comunista, de origem alemã, chamada Olga Benário. No decorrer da viagem para o Brasil, a fim de disfarce, o casal forjou uma relação conjugal inexistente. Dessa encenação derivou uma paixão que renderia um episódio singular na história do Brasil. O presente artigo utilizou-se da revisão bibliográfica para analisar a representação de Olga Benario, mulher, judia e comunista alemã como possível heroína brasileira no período pós Regime Militar (1964-1985), chamado de redemocratização. Como objeto de análise, tem-se a obra Olga, de Fernando Morais, proposta como documento fidedigno do histórico vivido pela personagem em seu período. O artigo analisou como a relação História-Literatura permitiu a ampliação reflexiva, propondo a compreensão da abrangência da obra que, ao transpor o texto literário, oportunizou a identificação da representação do período em que fora escrita. De acordo com Pesavento (2006) a literatura é um discurso cujo privilégio se encontra no acesso ao imaginário de outra época, e utilizá-la como metodologia para o ensino de História tem se mostrado como uma alternativa válida. A pesquisa aponta, assim, quais as possibilidades consideradas por Morais ao eleger Olga, comunista alemã, como símbolo da construção do ideal heroico no Brasil, utilizando-se do discurso literário, permitindo o acesso ao imaginário do autor no contexto histórico apresentado e no vivido por ele.

Abordagem metodológica
Assim como Prestes, Olga acabou por ser uma personagem histórica cuja representatividade fora construída. Inicialmente, segundo Mesquita e Pontes (2008), Olga fora representada como “a mulher de Prestes”, imagem reforçada por Jorge Amado na obra ‘O Cavaleiro da Esperança’, de 1942. Em 1985, é publicada a biografia Olga, de Fernando Morais, num contexto brasileiro peculiar. O processo de redemocratização do Brasil, a partir do fim da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), possibilitou a difusão da obra. O autor, no prólogo da narrativa, deixa impressos seu objetivo ao discorrer sobre esta personagem e quais os obstáculos responsáveis pelo adiamento de alcançá-lo:

“(...) Decidi que algum dia escreveria sobre Olga, projeto que guardei com avareza durante os anos negros do terrorismo de Estado no Brasil, quando seria inimaginável que uma história como esta passasse incólume pela censura” (MORAIS, 2004, p. 9).

Em relação às dificuldades de acesso às fontes para a composição narrativa, segue o autor:

“No Brasil não havia praticamente nada sobre ela – e surpreendi-me ao descobrir que até mesmo a historiografia oficial do movimento operário brasileiro, produzida por partidos ou pesquisadores marxistas, relegara invariavelmente a ela o papel subalterno de “mulher de Prestes” – e nada mais do que isto” (MORAIS, 2004, p. 9).
        
Diante dessas duas realidades, sua necessidade de pesquisa acerca de um aprofundamento maior quanto aos fatos e processos envoltos na personagem Olga Benário, motivados, segundo Morais (2004), desde a adolescência, por ouvir contar pelo pai a história da mulher de Luís Carlos Prestes, grávida de sete meses, dada “de presente” (p. 9) por Filinto Müller a Hitler; e a impossibilidade de divulgar esse relato num contexto similar ao de Olga, quando o país atravessava, mais uma vez, uma situação sócio-política que previa a restrição da liberdade de expressão de seus cidadãos. Distantes em décadas, Morais e Olga encontravam-se em situações aproximadas de contexto político, uma vez que ambos, em ditaduras diferentes, podiam perceber um inimigo em comum sendo conservado: a esquerda política, reduzida sob a simplificação conceitual de comunista.

Morais (2004) é enfático ao defender que sua pesquisa é pautada na intencionalidade de relatar “fatos que aconteceram exatamente como estão descritos [no] livro (...)” (p. 9). Todavia, sua obra pertence ao gênero literário de biografia, não sendo configurado, portanto, como uma obra de História. “A Literatura, assim como a História, constrói representações sobre o mundo e, portanto, deve ser estudada para que se entenda o contexto do momento em que foi produzida” (SILVA; BUFFON, 2019), ou seja, o texto de Fernando Morais propõe-se ser uma fonte histórica acerca de Olga, mas este objetivo não se encerra em si: a obra traz consigo muito do contexto em que foi escrita. Percebe-se que o autor, ao narrar os fatos da vida de sua personagem, acaba por ressaltar aquelas que são consideradas as virtudes marcantes e essenciais da construção de uma heroína.

A obra apresenta Olga como uma personagem dotada de capacidades assaz à frente dos demais jovens. Segundo Sarpe (2008):

“Tanto as formas de predicação “eficiente”; “ousada”; “decidida”; “corajosa” etc., quanto outras escolhas linguísticas, geralmente substantivas, que compõem os enunciados nos excertos mostrados (...), tais como “progresso fulminante”; “ideias engenhosas e imaginativas”; “uma das mais vertiginosas carreiras”; “coragem e determinação” etc. são usadas para designar a militante Olga. Essas escolhas (as últimas) compõem também a política de nomeação/predicação do narrador, pois esses elementos linguísticos, usados para compor o texto em questão desencadeiam atributos que caracterizam a militante Olga” (p. 93).

Percebe-se que Morais predica Olga com atributos que lhe parecem indispensáveis para sua representação enquanto heroína. Nota-se a responsabilidade quanto às escolhas de nomeação e predicação, aludindo a uma liberdade poética que aproxima a obra de seu enredo literário. Para White (2001), este posicionamento de Morais não prejudicaria o conjunto da obra, já que “vistos apenas como artefatos verbais, as histórias e os romances são indistinguíveis uns dos outros. (...) Ambos desejam oferecer uma imagem verbal da ‘realidade’” (p. 138). Essas interpretações expressam uma interdisciplinaridade entre as áreas das ciências histórica e literária, de onde pode-se considerar que, além de almejar uma ressignificação da biografia de Olga Benário, Morais encontra nela uma possível heroína para o imaginário brasileiro no processo de redemocratização. A figura do herói apresenta-se como de importância ímpar no processo de “personificação de uma nação”, conforme Hobsbawm (2008):

“(...) O herói é herói e ponto final. Discutir seu papel é pôr em questão a Pátria, a Religião, as Forças Armadas, a Revolução, o Partido – enfim, todas essas coisas sagradas e intocáveis (...)” (MICELI, 1991, p. 10-11).

Na esteira do processo de redemocratização brasileira da década de 1980, passados os anos de silêncio instituído pela lei de censura, de limitação da liberdade de expressão e de identificação com quem fosse considerado subversivo, Morais traz a imagem de Olga à tônica da necessidade de um país identificar-se com a representação de heróis. O autor apresenta esta proposta em sua obra, ressaltando as virtudes inquestionáveis e quase sobre-humanas da protagonista, cujo discurso representativo apresenta-se como verídico.

Conforme Mesquita e Pontes (2008), o uso da ficção constante que se apresenta na descrição e amostra dos sentimentos vividos pelas personagens, e considerados como reais, denuncia a ideia de que Morais era um sujeito de relações íntimas com as personagens. É possível que a intenção do autor seja a de aproximar a personagem do imaginário brasileiro, a fim de apresentá-la como heroína, face o processo histórico no qual está inserido o autor? Para Mesquita e Pontes (2008), a resposta a este questionamento é afirmativa:

“Seria uma busca pela identificação, na tentativa de reconhecer, na vida presente, os traços característicos da realidade passada” (p. 92).

É interessante observar que, para aquele contexto, Morais suscite uma imagem feminina para compor o conjunto identitário do imaginário brasileiro. Não restringindo a imagem da mulher, trata-se de uma judia, comunista alemã e entregue, pelo Brasil, ao governo alemão. Há uma carga simbólica significativa na escolha de Olga. Ela representa, em si só, um conjunto de minorias. O Brasil redemocratizado precisava apontar para a possibilidade de um mundo melhor. A protagonista da obra, portanto, encerrava em si características necessárias para fomentar essa esperança entre a população brasileira. Ainda que tenha sido assassinada, os fascistas promovedores da guerra saíram perdedores, sendo a esperança da transformação social ainda conservada. “O mesmo exemplo deveria ser seguido em relação ao Regime Militar, que estava em seus últimos dias” (MESQUITA, 2008, p. 92). A esperança de dias melhores deveria ser o impulso advindo dos tempos de sofrimento.

Apesar de ser de origem alemã, a apresentação de Olga Benario como uma heroína brasileira parece encontrar paralelos pelos quais a conexão procure ser estabelecida entre a personagem e o público. Embora Morais tenha justificado sua pesquisa como fruto do descontentamento à limitação descritiva de Olga como “mulher de Prestes”, é nessa relação conjugal, cujo nascimento de Anita Leocádia é o símbolo concreto, que a aproximação com o Brasil se legitima.

O Brasil da redemocratização; o país que estava abandonando o Regime Militar mais uma vez; a nação cuja intolerância calara tantas vozes ao longo de décadas tinha uma personagem de fibra, astúcia e temperamento marcantes o suficiente para significarem o símbolo de resistência e coragem que os novos tempos exigiram. A nacionalidade alemã de Olga acabara sendo transposta para a cidadania brasileira, aproximando o país de fatos históricos mundialmente complexos e significativos. Ter sido assassinada na câmara de gás de um campo de concentração de Hitler aproxima o Brasil do contexto sanguinário da Segunda Guerra de um modo diferente da narrativa da história oficial. Na obra de Morais, Olga é compreendida como uma brasileira condenada aos horrores da política fascista de Hitler, cujos crimes não encontravam respaldos compatíveis à condenação imposta.
        
Considerações finais
É possível concluir que ao representar positivamente o perfil da sua protagonista, Fernando Morais almeje a reivindicação do poder dos grupos sociais que Olga representa. O autor também objetivou a participação na política institucional, através de eleições ao longo do período de redemocratização, sendo nomeado para cargos públicos.

De acordo Mesquita e Pontes (2008), a aceitação do líder ou de um modelo de vida só ocorre quando o indivíduo se identifica com o protagonista. Em complemento à esta ideia, Veyne (1987) afirma que alguém atinge o status de líder e posterior poder representativo se sua moral é equivalente à de seu povo. A representação de Olga feita por Morais permite “(...) sentir o carisma e seguir o exemplo de uma militante que lutou por uma sociedade mais justa (...)” (MESQUITA, 2008, p. 97).

Assim, Olga é uma obra que sustenta uma diversa rede de relações de poder. Essas relações embasam-se na afirmação de veracidade, conjuntas às construções fragmentadas oriundas da subjetividade humana.  Concorda-se com Mesquita e Pontes (2008) quando se compreende que o objetivo central e racionalizado da biografia de Olga, por Morais, seja “garantir a (re)conquista dos direitos democráticos perdidos com o Regime Militar, que, segundo o escritor, se assemelhou ao Governo Vargas e aos regimes fascistas” (p. 98). A Literatura, pois, mostra a possibilidade de contribuir ao indivíduo para análise da vida no período em que foi produzida e no contexto em que estavam inseridas. “(...) A representação dos desejos e necessidades de quem escreveu ou contou essas histórias(...)” (SILVA; BUFFON, 2018) permite ao leitor acessar não apenas o recorte histórico-temporal proposto por Morais, no caso, o período varguista brasileiro dentro do contexto da ascensão fascista na Europa e o holocausto da Segunda Guerra Mundial, mas também, as experiências e visão de mundo que o autor traz consigo a partir do Regime Militar no Brasil, de 1964 – 1985, acompanhados da esperança que sustenta e traduz na personagem Olga. A História ofereceu material para que Literatura criasse sua narrativa; a Literatura ofereceu a representação de Olga como resposta para o contexto social em que a narrativa foi redigida; a relação História e Literatura ofereceu uma heroína ao Brasil, cuja representação é capaz de acompanhar o imaginário dos leitores.

Referências
Rodrigo Gustavo Pires Heckler é Graduado em Licenciatura em História, pela Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. Mestrando no Programa de Pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais, pela mesma universidade. Desenvolve pesquisa na área de História, com ênfase em Imaginário e Representação. Participante do grupo de pesquisa em Cultura e Memória da Comunidade, vinculado ao mesmo programa de pós-graduação, pela Universidade Feevale – NH. Atua na área da Educação no Ensino Fundamental e Ensino Médio.

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre, RS: UFRGS, 1991. [livro]
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, RJ: LTC, 1987. [livro]
HOBSBWAM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. [livro]
LEVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 1982. [livro]
MAFESSOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. (Entrevista). In: Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 15, agosto de 2001. [artigo]
MICELI, Paulo. O mito do herói nacional. São Paulo, SP: Contexto, 1991. [livro]
MENEGUSSO, Gustavo. História, literatura e mitobiografia: uma leitura de Olga, de Fernando Morais. Raído, Dourados, MS, v. 5, n. 10, p. 63-72, jul./dez. 2011. [artigo]
MESQUISTA E PONTES, Matheus. Luiz Carlos Prestes e Olga Benario: construções identitárias através da História e da Literatura. 2008. 169 f. Dissertação (Mestrado em História Social), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2008. [dissertação]
MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004. [livro]
MOTTA, Rodrigo P. S. Batalhas em torno do mito:  Luiz Carlos Prestes. In: Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 34, julho-dezembro de 2004. p. 91-115. [artigo]
PESAVENTO, Sandra J. História e Literatura: uma velha nova-história. In: Revista Nuevos Mundos, Mundos Nuevos. Jan. 2006. Disponível em: <https://journals.openedition.org/nuevomundo/1560>. Acesso em 28 de julho de 2019. [artigo]
SILVA, Cristina E.; BUFFON, Alexandro. A Divina Comédia: uma reflexão sobre a literatura como fonte histórica. In: Contribuciones a las Ciencias Sociales. Fev. 2019. Disponível em:
<https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/02/literatura-fonte-historica.html>. Acesso em 24 de julho de 2019. [artigo]
SERPA, Maria Valquíria F. A constituição identitária de Olga Benário: uma abordagem pragmática. 2008. 211 f. Dissertação (Mestrado em Linguística), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2008. [dissertação]
WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica cultural. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo, SP: EDUSP, 2001. [livro]

8 comentários:

  1. Boa noite, Rodrigo.
    Parabéns pelo trabalho.
    A literatura aparece no teu texto como uma forma de acesso ao imaginário de uma dada época, ainda que, seu caráter seja ficcional.
    Em relação a produção das narrativas, visto que o a obra analisada pertence ao campo do literário e dialoga com o fazer histórico, qual os cruzamentos, semelhanças e divergências se percebe entre as escritas literária e histórica?
    Giovana dos Passos Colling

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    1. RODRIGO GUSTAVO PIRES HECKLER21 de maio de 2020 às 15:54

      Olá, Giovana. Obrigado pela apreciação do artigo. Sim, tens razão quanto ao caráter ficcional que a obra literária traz consigo. Interessante que na narrativa de Moraes, no caso analisado, ele se propõe a discorrer com veracidade histórica. Todavia, logo no primeiro capítulo, ele narra os sentimentos da personagem principal, destacando os seus feitos heróicos, suas percepções e sensações. Isso pertence à "liberdade poética". Não se tem como comprovar historicamente esses sentimentos. No caso em questão, talvez esteja mais presente o imaginário da contemporaneidade do autor do que o imaginário do recorte temporal por ele narrado. Há, em Moraes, a necessidade da apresentação de uma possibilidade de heróis para a redemocratização política. Ou seja, "olha só, temos alguém que, num contexto semelhante, lutou pela liberdade, ainda que com a vida". O martírio, ainda que involuntário, mostra-se como um exemplo, como uma marca, um signo. A liberdade é possível; a liberdade é necessária. Embora o diálogo entre História e Literatura seja possível, deve-se evitar anacronismos: são áreas distintas, com métodos analíticos distintos. À História não cabe o que está fora do fato. Como toda fonte, a Literatura tem um limite para a História e não pode ser forçada "a dizer aquilo que ela não diz". Enfim, parece-me que, quando a Literatura é utilizada como fonte, é preciso estar atento aos discursos ali presentes. Ela oferece à História uma hermenêutica simbólica, uma visão de mundo de alguém, um pedido ou uma denúncia. Ela agrega ao historiador na sua tentativa de acesso ao passado, é mais um meio que permite ao pesquisador perscrutar outro tempo, mas tanto autor quanto pesquisador permanecem sujeitos do seu tempo. Afinal, um texto torna-se atemporal. Ele se torna atual toda vez que um sujeito o ler e, de alguma forma, o leitor também se torna autor daquela obra. Para o historiador é possível leituras das percepções que o autor literário teve do tempo histórico, dos processos sociais, políticos e culturais que se propôs representar. Um abraço.

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  3. Rodrigo, parabéns pelo trabalho! Uma leitura muito pertinente de Olga.
    Sobre o imaginário: tu acreditas que as imagens presentes no cinema e na literatura produzem o imaginário que circula na sociedade ou o imaginário que já circula na sociedade é que produz as imagens que compõem as artes em geral? Como tu enxergas essas relações? Pergunto isso, pois é uma das discussões de Maffesoli: autor que tu utilizas como referência.
    Sabrina Esmeris

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    1. RODRIGO GUSTAVO PIRES HECKLER21 de maio de 2020 às 16:01

      Olá, Sabrina. Obrigado pela apreciação. Particularmente, creio que é uma relação complexa que se estabelece. Acredito ser uma influência mútua, posto que a arte é feita pelos sujeitos históricos, imersos em redes de significado. Ao mesmo tempo, os imaginários manifestados nas artes (sejam plásticas, audiovisuais, literárias) permitem uma exposição de suas representações a outras culturas. Por vezes haverá identificação dos sujeitos, por vezes não, mas sempre haverá manifestações. Mas, se fosse para te responder com uma única alternativa, ainda diria que a arte "surge" como manifestação externa de um complexo imaginário social vivido. Abração!

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    2. Rodrigo, grata pela resposta atenciosa! São relações complexas e interessantes!
      Abraço,
      Sabrina Esmeris

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  4. Olá, Rodrigo!
    Achei o teu texto bastante interessante e chamou a minha atenção especialmente o trecho em que falas sobre a transformação de Olga em uma heroína brasileira. Como destacas, ela reúne características de estratos sociais minoritários, o que pode apontar para o desejo de um mundo melhor. Nesse sentido, seria exatamente por ela possuir características que representam minorias, como os judeus e comunistas, que o desejo de torná-la uma heroína brasileira não se concretiza efetivamente (uma vez que ela ainda é desconhecida de grande parte da população nacional e ocupa um espaço ínfimo em obras didáticas)?
    Gentilmente,
    Márcia Rohr Welter

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    1. RODRIGO GUSTAVO PIRES HECKLER21 de maio de 2020 às 16:09

      Olá, Márcia. Obrigado pela contribuição. Não consigo te responder se Olga reúne em si todos esses atributos. Posso te dizer que Moraes crê que eles estejam nela. E o faz com tanto empenho porque considera que esses valores sejam necessários ao Brasil que estava num processo de redemocratização. Porque, historicamente, Olga pertence à classe média alemã que comunga de um imaginário no período. Ela vivencia outras possibilidades com as quais se identifica e as assume para si. Ao assumir os estratos sociais minoritários, Olga, diferente de grande parte das minorias, ESCOLHEU esse caminho para si. O desejo de Moraes não se concretiza (torná-la uma heroína nacional, por exemplo) porque parece que heróis surgem a partir do clamor das "massas", na figura de alguém que torna-se um símbolo imaginário para a sociedade. Comunistas e judeus, por exemplo, não fazem parte da gama identitária brasileira, o que prejudica nessa autoidentificação. Sem contar que o Brasil sofre de uma grande dificuldade de reconhecer a sua realidade social como nação. Os discursos dos últimos tempos, por exemplo, muito servirá para atrasar ainda mais o simples "conhecer" Olga como um personagem na História do Brasil. Quando abordada, ainda figura como a "mulher de Prestes". Ela, por si só, atingirá seu reconhecimento quando aprendermos a olhar "o todo que nos compõe". Abraços.

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